Arthur Leandro/ Táta Kinamboji, com a RC Resistência FM no Projeto Azuelar - quintal do Mansu Nangetu, 2013. |
Transcrição de entrvista concedida para a equipe do PNCSA em 29 de
dezembro de 2010, e publicada no livro "Cartografia social dos
afrorreligiosos em Belém do Pará." Belém/ Rio de Janeiro : Casa8/ IPHAN,
2012.
[Arthur Leandro/ Táta Kinamboji – Mansu
Nangetu]: Eu queria falar essa coisa da visibilidade , então tu
[Jurandir] falaste da questão visibilidade, como visibilzar, né?!
Bom, primeiro acho que tem vários pontos a serem analisados, tem na
esfera pública e na esfera privada, por exemplo: a visibilidade do
Angola diante de todos as outras matrizes africanas e aqui dá pra
perceber nos discursos um certo, como dizer, um conflito em relação
a nação Ketu. Eu mesmo chamo o Ketu de, aspas - e bota aspas nisso -
o “nazismo negro”, ou seja, o discurso da supremacia cultural em
nome de uma dita “pureza” cultural Nagô, como se o iorubá fosse
a “língua pura” e como se o Ketu fosse a “religiosidade pura”.
Então eles defendem a cultura Nagô como uma cultura pura e ao meu
ver como uma forma hegemônica que não vejo diferença nenhuma do
Nazi-fascismo, é a mesma necessidade de hegemonia do Nazi-fascismo,
e se você não é como eles é porque você é errado! E nós vemos
isso nos discursos - não de todos, é bem verdade -, nós vemos isso
no discurso de boa parte dos pais da santo Ketu de Belém. Então
esse é o primeiro ponto que eu penso importante de colocar em
questão, e o segundo é, digamos assim: se essa questão da
hegemonia cultural por parte de alguns sacerdotes de uma nação
específica nos divide, e o que nos une ?! O que nos une é o
preconceito de uma sociedade hegemonicamente cristã contra toda e
qualquer manifestação de religiosidade de matriz africana (e também
dos povos indígenas) reunidos sobre o que o Tat’etu Delembá falou
da palavra “macumbeiro”, principalmente por parte dos
evangélicos. E mais especificamente, afunilando o foco e pontuando
de onde vem o preconceito, são os neo-pentecostais principalmente da
Assembléia de Deus e da Igreja Universal do Reino de Deus e das ruas
ramificações e de desdobramentos de fundamentos cristãos políticos
e econômicos de cunho fundamentalista, e não de cunho religioso, a
nos colocar como alvo, e esse preconceito cristão se reflete na
esfera privada. Dentro da família também enfrentamos situações
adversas, há uns dias atrás eu recebi um telefonema de um filho
pequeno me pedindo conselhos para uma situação que ele estava
enfrentando. Ele contou que a namorada, com quem ele pensa em casar,
foi passar as férias com a família em outra cidade, e que de lá de
onde estava telefonou a ele para que ele escolhesse ou ela ou o
candomblé e disse que para ficar com ela a condição era a
conversão ao catolicismo. Daí me disse que ela nunca havia tido
posturas intolerantes e que até havia ajudado em suas obrigações e
tudo o mais. E eu ri e disse a ele que a guerra cultural existe e
perguntei se ele estava a fim de encarar o conflito em um casamento.
Disse da minha experiência, disse que eu vim de uma família
católica e que sou casado com uma mulher católica e de família
católica, e que sempre eu vou sozinho para as celebrações
afro-religiosas, porque ninguém se acha na obrigação de ter a
gentileza de me acompanhar nos rituais da fé que eu professo, nem os
da família de origem e nem tampouco os da família adquirida por
casamento. Entretanto, quando os membros das famílias resolvem
promover os rituais religiosos deles, eles acham que eu tenho a
obrigação de ir, e eu pergunto: por que eu tenho que ir? E a
resposta é porque eu sou da família - mas eu não sou católico,
entendem!? Se eu faltar a uma missa de ação de graças em homenagem
a algum deles, a um batizado ou a uma missa de sétimo dia, eu vou
enfrentar tempestades porque se eu faltei o motivo é que eu
desrespeito os rituais de família (e se eu for ainda corro o risco
de ser chamado para ler alguma parte dos textos das missas, mesmo que
ninguém queira aprender a cantar nas nossas Kizombas), mas ninguém
respeita ou valoriza os rituais e a religiosidade que eu pratico e
minha família não está presente sequer nos rituais de celebração
ao meu Nkissi. Mas voltando a esfera pública e aos evangélicos,
para eles nós somos o demônio.... Um demônio que eles criaram e um
demônio a ser combatido né?! As vezes eu fico, sinceramente,
lisonjeado com todo poder que os evangélicos nos dão nessa guerra
santa que eles criaram dentro da sociedade brasileira, eu acho que
eles nos atribuem um poder muito maior do que eu consigo visualizar
internamente que nós tenhamos, e não consigo nos ver com todo esse
poder de “mal” que eles nos atribuem, muito pelo contrário. Mas
enfim, então eles nos dão esse poder maléfico e nos atacam nas
emissoras de rádio e de televisão das quais eles são donos, e ai
tu perguntas: como visibilzar? A pergunta deveria ser como resistir!
Nós sofremos intolerância como todo mundo que tá sentado nessa
roda, nós sofremos intolerância e nós sofremos racismo, inclusive
racismo institucional. Recentemente, em julho passado, nós fomos
levar uma oferenda de Urupim na baía do Guajará, ali no projeto Ver
o Rio no bairro do Umarizal, e a Guarda Municipal tentou nos impedir,
queriam nos impedir de realizar o culto né?! e ta rolando ainda um
processo na Corregedoria da Guarda Municipal que sabemos que não vai
dar em nada, porque eles são corporativistas, eles vão encontrar lá
um argumento que vai liberar os autores da agressão. Vão dizer que
eles não sabiam, que não é nada disso de racismo e de intolerância
e nem é preconceito.... Porque para a justiça brasileira nunca é
preconceito contra nós! A Constituição nos dá o direito de culto,
o direito de consciência religiosa mas o Estado nos reprime, reprime
as nossas práticas religiosas e quando a gente reclama alegam
ignorância e o motivo é que eles “não sabiam como acontece o
culto afro-religioso”. Eles nunca assumem a responsabilidade sobre
o ato deles. Da mesma forma recentemente na Faculdade de Artes da
Universidade Federal do Pará eu pedi pro diretor tirar uma árvore
de Natal de dentro da secretaria da faculdade dizendo que o Estado é
laico, que eu não sou cristão, e que aquele o pinheiro enfeitado,
aquela representação de pinheiro enfeitado é uma referência ao
nascimento de Jesus e é religioso, e já que se eu não cultuo Jesus
e eu trabalho ali naquele local pedi pra retirar o pinheiro. Qual foi
o resultado? O gestor me respondeu dizendo que tem que abrir
uma sindicância e fazer um processo e não sei o que, para avaliar
aquela situação e que isso vai demorar uns 6 meses e enquanto
tivesse nesse processo dentro da Universidade esse pinheiro não
poderia sair de onde estava. Mas se eu for lá e quebrar o pinheiro,
é porque eu sou intolerante... entenderam como o Estado funciona?! É
mais ou menos assim: Eles estão errados, eles sabem que estão
errados, mas se você reclamar ai a coisa se vira contra você, pois
eles sempre tem um argumento pra dizer não você que é intolerante
e que eles (os cristãos em forma de poder de estado) estão ali
abraçando todas as religiões e ainda dizem a todos para que tragam
os símbolos de suas religiões e coloquem no mesmo ambiente....
Mas a minha mãe faz parte de um
Conselho inter-religioso e que é um Conselho inclusive de combate o
fundamentalismo religioso na política, ou seja, esse projeto
político que a gente tava conversando antes de começar a reunião
ali fora, em que se percebe que evangélico vota em evangélico e
evangélico de periferia só compra em estabelecimento comercial de
evangélico. Mas porque que macumbeiro não vota ou faz suas compras
exclusivamente em loja de macumbeiro? e quanto a isso eu tenho cá
meus receios dessa proposta para não criarmos um fundamentalismo
afro-religioso também, pois eu acho que se fizermos isso será tão
prejudicial a saúde política brasileira quanto a política que os
pentecostais fazem, mas, enfim, mas também eu acho que isso não
quer dizer que nós devemos nos abster do processo político, muito
pelo contrário, eu acredito que temos que usar outras forma de
atuação política que não essa fundamentalista, inclusive, eu acho
que a gente pode galgar os passos de representação no poder
Legislativo e mesmo no poder Executivo sem esse discurso
fundamentalista religioso. Eu acho que o fundamentalismo religioso é
prejudicial, por exemplo, é preciso entender que o Judaísmo é
diferente do Sionismo, uma coisa é o Estado de Israel outra coisa é
a pratica religiosa judaica, então eu acho que a gente tem que
separar essas coisas porque senão nós também vamos terminar
criando um discurso tão fundamentalista, desculpe eu não conheço
outra palavra, escroto, quanto o discurso daqueles que nos atacam,
então pra nós não sermos iguais a eles nós temos também que
estar o tempo todo discutindo, ponderando e refletindo sobre qual é
o nosso papel na política
E da resistência? Ora, nossa
experiência de resistência é a do “trabalho da formiguinha”.
Nós aqui no Mansu Nangetu desenvolvemos vários projetos sociais e
culturais, nós temos trabalhado aqui pelo viés da cultura, da
assistência social e da formação para a participação política.
Minha mãe Nangetu é do comitê inter-religioso do estado do Pará
que se formou a partir de um setorial de discussão inter-religiosa
para uma campanha, acho que do desarmamento,, então ela pode contar
a história melhor do que euas enfim, nós atuamos na política nas
esferas de discussão e de fiscalização da sociedade, minha mãe
atua no Conselho inter-religioso e é do Conselho Estadual de
Promoção da Igualdade Racial e do Conselho Municipal de Cultura de
Belém, eu sou do Conselho Municipal de Negras e Negros de Belém e
também sou titular do Conselho Estadual de Cultura. Essa
representatividade e o debate que a gerou vem de todo um esquema de
organização social das lideranças das religiões de matrizes
africanas em torno das Conferências municipais e estaduais,
regionais e nacionais de cultura e de igualdade racial, foram essas
as duas frentes aonde nós aqui do Mansu Nangetu decidimos atuar.
Existem outras formas de atuação da sociedade que outros terreiros
tem investido, eles tem feito esse trabalho na saúde, na segurança
pública, na segurança alimentar,. Enfim, hoje vemos lideranças de
comunidades tradicionais de terreiros em várias outras frentes, mas
nós temos atuado aqui principalmente na questão da cultura e da
mídia, então por exemplo, aqui nós temos o Projeto Azuelar que é
premiado no Ministério da Cultura no edital de 2009 como Ponto de
Mídia Livre, e o que que é isso? Nós atuamos em programa de rádio
comunitária, nós estamos lá pra discutir a cultura dos terreiros,
inclusive a cultura religiosa, e divulgar calendários religiosos e
ações sociais. Nós não está no ar atualmente com esse programa
por causa dos meus problemas pessoais de saúde e alguns problemas
também com as rádios que a gente atuava – que foram fechadas pela
ANATEL e Polícia Federal, então nós tínhamos o programa: a Hora
de Zumbá, que era um programa de 1h semanal na rádio Resistência
FM que depois foi para a Cidadania FM, e enquanto não conseguimos
reestruturar uma equipe que dê conta de uma hora de programa em
emissora de onda modulada, nós fazemos aqui na nossa porta o que
chamamos da “Rádio Janela”, que é igualzinho aquela rádio Cipó
lá da esquina: nós colocamos uma caixa de som aqui na porta e a
gente põe nossas musiquinhas, nossos saberes, nossas formas de ver o
mundo, nossas falas, nossas memórias. Como nessas ocasiões nós
estamos aqui na nossa casa, estamos sentados na porta conversando com
um interlocutor imaginário, porque a gente não sabe ao certo quem
nos escuta e quem não nos escuta - e não interessa se escuta ou não
escuta - interessa para nós mesmo é falar! E quando a gente chega
na parada de ônibus que é na frente da casa da Mametu Deumbanda,
sempre chega um pra comentar, ah vocês fizerem isso, ou pra
perguntar se pode trazer seu mp3 pra copiar uma das músicas ou...
Então as informações da rádio janela reverberam, de uma forma ou
de outra reverberam, isso nos dá visibilidade na nossa vizinhança.
Também faz parte do Azuelar o Projeto de Cineclube, onde a gente
abre as portas do terreiro nas sextas feiras, abrimos as portas e
passamos a funcionar como cinema e a passar filmes brasileiros. Com
isso nós já conseguimos atrair a presença e a freqüência regular
de um grupo de estudantes dali da Escola Jarbas Passarinho, ainda não
conseguimos daqui do Lauro Sodré mas enfim, os estudantes que
passavam pela nossa porta e olhavam com desconfiança e iam embora,
depois de 5 anos de funcionamento regular do cineclube já entram pra
saber qual o filme que vai passar naquela semana, e eu penso que
essas pequenas ações, digamos assim, que, quebram as barreiras do
preconceito e promovem a convivência com a diversidade cultural e
religiosa, que com isso nós estamos conseguindo de alguma forma
quebrar os preconceitos e criar uma aproximação, uma convivência
com a própria vizinhança e pensamos que essas coisas todas ajudam
pra uma visibilidade positiva para nossa religiosidade, porque
visibilidade negativa as religiões evangélicas se encargam de
fazer. Também tem a “Mala cultural” que eu acho uma experiência
legal, nós temos uma mala, ou seja, uma lista de emails dos
jornalistas, dos intelectuais, dos afro-religiosos, e tudo que a
gente faz aqui, digamos: se Mametu fêz o mais banal das atividades
cotidianas do Mansu, por exempo, se pegou uma pena de picota, pode
contar que eu mando a informação pra todos, para que todo mundo
fique sabendo o que acontece aqui. Tudo bem que também tem uma coisa
de nós nos protegemos, protegermos os segredos, mas existem coisas
que a gente pode e deve dizer, o que a gente pode e deve dizer pode
ter certeza que a gente diz. Nós aqui, nesta casa, nós dizemos! E
eu acho que foi semana passada nós estávamos discutindo uma
situação de intolerância na mídia, diga-se de passagem daquelas
que nós já vivenciamos também, e ai sempre vem a reflexão ah o
que fazer para que não aconteça conosco? Na minha opinião não
adianta proibir o registro de fotografia e nem em vídeo, por que nós
não temos controle sobre esses registros depois que todo celular faz
imagens, nós temos é que saber lidar com a situação, nós temos
que aprender a lidar com a própria imprensa e também fazer a nossa
própria imprensa, porque nós somos formadores de opinião, então
nós temos que aprender a lidar com a mídia também.
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