domingo, 19 de maio de 2013

A pergunta deveria ser como resistir!?


Arthur Leandro/ Táta Kinamboji, com a RC Resistência FM no Projeto Azuelar -  quintal do Mansu Nangetu, 2013.
 
Transcrição de entrvista concedida para a equipe do PNCSA em 29 de dezembro de 2010, e publicada no livro "Cartografia social dos afrorreligiosos em Belém do Pará." Belém/ Rio de Janeiro : Casa8/ IPHAN, 2012.

[Arthur Leandro/ Táta Kinamboji – Mansu Nangetu]: Eu queria falar essa coisa da visibilidade , então tu [Jurandir] falaste da questão visibilidade, como visibilzar, né?! Bom, primeiro acho que tem vários pontos a serem analisados, tem na esfera pública e na esfera privada, por exemplo: a visibilidade do Angola diante de todos as outras matrizes africanas e aqui dá pra perceber nos discursos um certo, como dizer, um conflito em relação a nação Ketu. Eu mesmo chamo o Ketu de, aspas - e bota aspas nisso - o “nazismo negro”, ou seja, o discurso da supremacia cultural em nome de uma dita “pureza” cultural Nagô, como se o iorubá fosse a “língua pura” e como se o Ketu fosse a “religiosidade pura”. Então eles defendem a cultura Nagô como uma cultura pura e ao meu ver como uma forma hegemônica que não vejo diferença nenhuma do Nazi-fascismo, é a mesma necessidade de hegemonia do Nazi-fascismo, e se você não é como eles é porque você é errado! E nós vemos isso nos discursos - não de todos, é bem verdade -, nós vemos isso no discurso de boa parte dos pais da santo Ketu de Belém. Então esse é o primeiro ponto que eu penso importante de colocar em questão, e o segundo é, digamos assim: se essa questão da hegemonia cultural por parte de alguns sacerdotes de uma nação específica nos divide, e o que nos une ?! O que nos une é o preconceito de uma sociedade hegemonicamente cristã contra toda e qualquer manifestação de religiosidade de matriz africana (e também dos povos indígenas) reunidos sobre o que o Tat’etu Delembá falou da palavra “macumbeiro”, principalmente por parte dos evangélicos. E mais especificamente, afunilando o foco e pontuando de onde vem o preconceito, são os neo-pentecostais principalmente da Assembléia de Deus e da Igreja Universal do Reino de Deus e das ruas ramificações e de desdobramentos de fundamentos cristãos políticos e econômicos de cunho fundamentalista, e não de cunho religioso, a nos colocar como alvo, e esse preconceito cristão se reflete na esfera privada. Dentro da família também enfrentamos situações adversas, há uns dias atrás eu recebi um telefonema de um filho pequeno me pedindo conselhos para uma situação que ele estava enfrentando. Ele contou que a namorada, com quem ele pensa em casar, foi passar as férias com a família em outra cidade, e que de lá de onde estava telefonou a ele para que ele escolhesse ou ela ou o candomblé e disse que para ficar com ela a condição era a conversão ao catolicismo. Daí me disse que ela nunca havia tido posturas intolerantes e que até havia ajudado em suas obrigações e tudo o mais. E eu ri e disse a ele que a guerra cultural existe e perguntei se ele estava a fim de encarar o conflito em um casamento. Disse da minha experiência, disse que eu vim de uma família católica e que sou casado com uma mulher católica e de família católica, e que sempre eu vou sozinho para as celebrações afro-religiosas, porque ninguém se acha na obrigação de ter a gentileza de me acompanhar nos rituais da fé que eu professo, nem os da família de origem e nem tampouco os da família adquirida por casamento. Entretanto, quando os membros das famílias resolvem promover os rituais religiosos deles, eles acham que eu tenho a obrigação de ir, e eu pergunto: por que eu tenho que ir? E a resposta é porque eu sou da família - mas eu não sou católico, entendem!? Se eu faltar a uma missa de ação de graças em homenagem a algum deles, a um batizado ou a uma missa de sétimo dia, eu vou enfrentar tempestades porque se eu faltei o motivo é que eu desrespeito os rituais de família (e se eu for ainda corro o risco de ser chamado para ler alguma parte dos textos das missas, mesmo que ninguém queira aprender a cantar nas nossas Kizombas), mas ninguém respeita ou valoriza os rituais e a religiosidade que eu pratico e minha família não está presente sequer nos rituais de celebração ao meu Nkissi. Mas voltando a esfera pública e aos evangélicos, para eles nós somos o demônio.... Um demônio que eles criaram e um demônio a ser combatido né?! As vezes eu fico, sinceramente, lisonjeado com todo poder que os evangélicos nos dão nessa guerra santa que eles criaram dentro da sociedade brasileira, eu acho que eles nos atribuem um poder muito maior do que eu consigo visualizar internamente que nós tenhamos, e não consigo nos ver com todo esse poder de “mal” que eles nos atribuem, muito pelo contrário. Mas enfim, então eles nos dão esse poder maléfico e nos atacam nas emissoras de rádio e de televisão das quais eles são donos, e ai tu perguntas: como visibilzar? A pergunta deveria ser como resistir! Nós sofremos intolerância como todo mundo que tá sentado nessa roda, nós sofremos intolerância e nós sofremos racismo, inclusive racismo institucional. Recentemente, em julho passado, nós fomos levar uma oferenda de Urupim na baía do Guajará, ali no projeto Ver o Rio no bairro do Umarizal, e a Guarda Municipal tentou nos impedir, queriam nos impedir de realizar o culto né?! e ta rolando ainda um processo na Corregedoria da Guarda Municipal que sabemos que não vai dar em nada, porque eles são corporativistas, eles vão encontrar lá um argumento que vai liberar os autores da agressão. Vão dizer que eles não sabiam, que não é nada disso de racismo e de intolerância e nem é preconceito.... Porque para a justiça brasileira nunca é preconceito contra nós! A Constituição nos dá o direito de culto, o direito de consciência religiosa mas o Estado nos reprime, reprime as nossas práticas religiosas e quando a gente reclama alegam ignorância e o motivo é que eles “não sabiam como acontece o culto afro-religioso”. Eles nunca assumem a responsabilidade sobre o ato deles. Da mesma forma recentemente na Faculdade de Artes da Universidade Federal do Pará eu pedi pro diretor tirar uma árvore de Natal de dentro da secretaria da faculdade dizendo que o Estado é laico, que eu não sou cristão, e que aquele o pinheiro enfeitado, aquela representação de pinheiro enfeitado é uma referência ao nascimento de Jesus e é religioso, e já que se eu não cultuo Jesus e eu trabalho ali naquele local pedi pra retirar o pinheiro. Qual foi o resultado? O gestor me respondeu  dizendo que tem que abrir uma sindicância e fazer um processo e não sei o que, para avaliar aquela situação e que isso vai demorar uns 6 meses e enquanto tivesse nesse processo dentro da Universidade esse pinheiro não poderia sair de onde estava. Mas se eu for lá e quebrar o pinheiro, é porque eu sou intolerante... entenderam como o Estado funciona?! É mais ou menos assim: Eles estão errados, eles sabem que estão errados, mas se você reclamar ai a coisa se vira contra você, pois eles sempre tem um argumento pra dizer não você que é intolerante e que eles (os cristãos em forma de poder de estado) estão ali abraçando todas as religiões e ainda dizem a todos para que tragam os símbolos de suas religiões e coloquem no mesmo ambiente....
Mas a minha mãe faz parte de um Conselho inter-religioso e que é um Conselho inclusive de combate o fundamentalismo religioso na política, ou seja, esse projeto político que a gente tava conversando antes de começar a reunião ali fora, em que se percebe que evangélico vota em evangélico e evangélico de periferia só compra em estabelecimento comercial de evangélico. Mas porque que macumbeiro não vota ou faz suas compras exclusivamente em loja de macumbeiro? e quanto a isso eu tenho cá meus receios dessa proposta para não criarmos um fundamentalismo afro-religioso também, pois eu acho que se fizermos isso será tão prejudicial a saúde política brasileira quanto a política que os pentecostais fazem, mas, enfim, mas também eu acho que isso não quer dizer que nós devemos nos abster do processo político, muito pelo contrário, eu acredito que temos que usar outras forma de atuação política que não essa fundamentalista, inclusive, eu acho que a gente pode galgar os passos de representação no poder Legislativo e mesmo no poder Executivo sem esse discurso fundamentalista religioso. Eu acho que o fundamentalismo religioso é prejudicial, por exemplo, é preciso entender que o Judaísmo é diferente do Sionismo, uma coisa é o Estado de Israel outra coisa é a pratica religiosa judaica, então eu acho que a gente tem que separar essas coisas porque senão nós também vamos terminar criando um discurso tão fundamentalista, desculpe eu não conheço outra palavra, escroto, quanto o discurso daqueles que nos atacam, então pra nós não sermos iguais a eles nós temos também que estar o tempo todo discutindo, ponderando e refletindo sobre qual é o nosso papel na política
E da resistência? Ora, nossa experiência de resistência é a do “trabalho da formiguinha”. Nós aqui no Mansu Nangetu desenvolvemos vários projetos sociais e culturais, nós temos trabalhado aqui pelo viés da cultura, da assistência social e da formação para a participação política. Minha mãe Nangetu é do comitê inter-religioso do estado do Pará que se formou a partir de um setorial de discussão inter-religiosa para uma campanha, acho que do desarmamento,, então ela pode contar a história melhor do que euas enfim, nós atuamos na política nas esferas de discussão e de fiscalização da sociedade, minha mãe atua no Conselho inter-religioso e é do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial e do Conselho Municipal de Cultura de Belém, eu sou do Conselho Municipal de Negras e Negros de Belém e também sou titular do Conselho Estadual de Cultura. Essa representatividade e o debate que a gerou vem de todo um esquema de organização social das lideranças das religiões de matrizes africanas em torno das Conferências municipais e estaduais, regionais e nacionais de cultura e de igualdade racial, foram essas as duas frentes aonde nós aqui do Mansu Nangetu decidimos atuar. Existem outras formas de atuação da sociedade que outros terreiros tem investido, eles tem feito esse trabalho na saúde, na segurança pública, na segurança alimentar,. Enfim, hoje vemos lideranças de comunidades tradicionais de terreiros em várias outras frentes, mas nós temos atuado aqui principalmente na questão da cultura e da mídia, então por exemplo, aqui nós temos o Projeto Azuelar que é premiado no Ministério da Cultura no edital de 2009 como Ponto de Mídia Livre, e o que que é isso? Nós atuamos em programa de rádio comunitária, nós estamos lá pra discutir a cultura dos terreiros, inclusive a cultura religiosa, e divulgar calendários religiosos e ações sociais. Nós não está no ar atualmente com esse programa por causa dos meus problemas pessoais de saúde e alguns problemas também com as rádios que a gente atuava – que foram fechadas pela ANATEL e Polícia Federal, então nós tínhamos o programa: a Hora de Zumbá, que era um programa de 1h semanal na rádio Resistência FM que depois foi para a Cidadania FM, e enquanto não conseguimos reestruturar uma equipe que dê conta de uma hora de programa em emissora de onda modulada, nós fazemos aqui na nossa porta o que chamamos da “Rádio Janela”, que é igualzinho aquela rádio Cipó lá da esquina: nós colocamos uma caixa de som aqui na porta e a gente põe nossas musiquinhas, nossos saberes, nossas formas de ver o mundo, nossas falas, nossas memórias. Como nessas ocasiões nós estamos aqui na nossa casa, estamos sentados na porta conversando com um interlocutor imaginário, porque a gente não sabe ao certo quem nos escuta e quem não nos escuta - e não interessa se escuta ou não escuta - interessa para nós mesmo é falar! E quando a gente chega na parada de ônibus que é na frente da casa da Mametu Deumbanda, sempre chega um pra comentar, ah vocês fizerem isso, ou pra perguntar se pode trazer seu mp3 pra copiar uma das músicas ou... Então as informações da rádio janela reverberam, de uma forma ou de outra reverberam, isso nos dá visibilidade na nossa vizinhança. Também faz parte do Azuelar o Projeto de Cineclube, onde a gente abre as portas do terreiro nas sextas feiras, abrimos as portas e passamos a funcionar como cinema e a passar filmes brasileiros. Com isso nós já conseguimos atrair a presença e a freqüência regular de um grupo de estudantes dali da Escola Jarbas Passarinho, ainda não conseguimos daqui do Lauro Sodré mas enfim, os estudantes que passavam pela nossa porta e olhavam com desconfiança e iam embora, depois de 5 anos de funcionamento regular do cineclube já entram pra saber qual o filme que vai passar naquela semana, e eu penso que essas pequenas ações, digamos assim, que, quebram as barreiras do preconceito e promovem a convivência com a diversidade cultural e religiosa, que com isso nós estamos conseguindo de alguma forma quebrar os preconceitos e criar uma aproximação, uma convivência com a própria vizinhança e pensamos que essas coisas todas ajudam pra uma visibilidade positiva para nossa religiosidade, porque visibilidade negativa as religiões evangélicas se encargam de fazer. Também tem a “Mala cultural” que eu acho uma experiência legal, nós temos uma mala, ou seja, uma lista de emails dos jornalistas, dos intelectuais, dos afro-religiosos, e tudo que a gente faz aqui, digamos: se Mametu fêz o mais banal das atividades cotidianas do Mansu, por exempo, se pegou uma pena de picota, pode contar que eu mando a informação pra todos, para que todo mundo fique sabendo o que acontece aqui. Tudo bem que também tem uma coisa de nós nos protegemos, protegermos os segredos, mas existem coisas que a gente pode e deve dizer, o que a gente pode e deve dizer pode ter certeza que a gente diz. Nós aqui, nesta casa, nós dizemos! E eu acho que foi semana passada nós estávamos discutindo uma situação de intolerância na mídia, diga-se de passagem daquelas que nós já vivenciamos também, e ai sempre vem a reflexão ah o que fazer para que não aconteça conosco? Na minha opinião não adianta proibir o registro de fotografia e nem em vídeo, por que nós não temos controle sobre esses registros depois que todo celular faz imagens, nós temos é que saber lidar com a situação, nós temos que aprender a lidar com a própria imprensa e também fazer a nossa própria imprensa, porque nós somos formadores de opinião, então nós temos que aprender a lidar com a mídia também.

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