Nós, membros do Colegiado Setorial de Cultura Afro Brasileira do Conselho Nacional de Políticas Culturais/CNPC/MinC, composto por 25 representantes de quatro das cinco regiões administrativas do Brasil, vimos a público manifestar nosso repúdio a decisão do senhor juiz José Carlos do Vale Madeira, da 5ª Vara da Seção Judiciária do Maranhão e ao escritório do advogado, e procurador aposentado do estado do Maranhão, Pedro Leonel Pinto de Carvalho em suspender os Editais Afirmativos do Ministério da Cultura.
O exemplo dos projetos que acompanham a racionalização imposta pela modernização acabam por gerar códigos artísticos que impossibilitam cada vez mais o acesso do homem comum às produções simbólicas consideradas legítimas. As elites – que pretendiam manter sua distinção em relação às outras classes através do monopólio dos códigos estéticos considerados superiores quando comparados aos populares ou massivos – não consideravam as desigualdades em seus projetos modernos, sendo estes sempre excludentes da maioria da população.
No início do século XIX a história luso-brasileira foi marcada pela chegada da Corte lusitana ao Rio de Janeiro, em 1808, Diante da nova condição de sede do governo metropolitano, a colônia americana passou por uma importante reestruturação político-administrativa, dando início à construção do aparato burocrático-estatal necessário para atender as novas exigências de sede do governo português.
Como parte da (re)estruturaçao administrativa e politica, em 1816 D. Joao VI contrata um grupo de artistas franceses encarregados de implantar a Academia de Belas Artes8 cujo objetivo era o ensino e propagaçao das artes e oficios artisticos segundo os modelos vigentes na Europa. A missao francesa oficializa a arte produzida segundo o gosto do governante e relega à planos inferiores todas as demais produçoes artisticas fruto da diversidade cultural brasileira.
A historia registra esse periodo como de grande esfervercencia cultural, mas analisada pela otica da dominaçao cultural a historia da arte brasileira torna-se ambígua. Se a politica oficial para a cultura registra em nossa historia alguns governantes como grandes incentivadores e financiadores das artes, a politica aqui aplicada, inclusive a cultural, também é responsavel pela imposiçao de uma identidade unica, hegemônica, dominadora e opressora. Entao a historia da arte brasileira pode ser entendida como fruto da tensão pelo embate entre a manutenção de identidades culturais diversificadas frente à hegemonia da herança da modernidade européia, ou como ocorre na contemporaneidade, com a expansão da sociedade de consumo norte-americana no mundo neo-liberal do mercado globalizado, em constante conflito com identidades dos povos dominados, escravizados ou imigrantes.
Contextualizada por Marilena Chauí, a trajetória recente da política cultural brasileira pode ser resumida assim:
1.No Estado Novo a cultura oficial foi produzida pelo Estado como forma de justificar o regime político ditatorial;
2.No final dos anos 50 e início dos 60 e estado fomentou uma cultura pedagógica, populista que dividiu a cultura entre a de elite e a popular.;
3.e na ditadura dos anos 60/70 o regime volta a fomentar a produção artística e cultural em razão do pdoer ditatorial dos governantes;
4.E em meados dos anos 80, com a minimização neoliberal do papel do Estado no plano da cultura, seguiu as regras e ditames do mercado e indústria cultural.
A prática é do invencionismo, a política cultural brasileira transmite esse invencionismo como um DNA cultural que tenta inventar uma tradição artística e cultural que lhe aproxime, pela aparência, de identidades que lhe são estranhas.
É na ditadura militar que é criado – como já havia acontecido na ditadura anterior, a de Vargas – o aparato institucional, e a dotação orçamentária, que até hoje dita as regras da política cultural no Brasil, instituiçoes como a FUNARTE, EMBRAFILME, Conselho Federal de Cultura, Instituto Nacional do Cinema, Pró-Memória, que, ainda sobreviventes ou remodeladas em outras siglas (juntamente com outras entidades oficiais criadas posteriormente que também) permanecem na estrutura do Estado brasileiro. Se não é possível afirmar que os ditadores eram intelectuais preocupados em criar incentivos estatais para a produção cultural podemos especular que a criação desse aparato visa a utilização da produção de bens simbólicos para a legitimação do poder constituído.
O Ministério da Cultura só foi criado em 1985, pelo Decreto 91.144 de 15 de março daquele ano. Reconhecia-se, assim, a autonomia e a importância desta área fundamental, até então tratada em conjunto com a educação.
Considerando a re-estruturaçnao do Conselho Nacional de Politica Cultural, remodelado desde 2005, é somente no final de 2012 que, à duras penas e com tantas outras dificuldades regionais, constituiu-se e elegeu-se o PRIMEIRO Colegiado Setorial de Culturas Afro-Brasileiras do CNPC, que foi composto por 25 representantes de quatro das cinco regiões administrativas do Brasil.
Finalmente em 2013 o Ministério da Cultura em parceria com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República – SEPPIR, FUNARTE, Fundação Cultural Palmares, Fundação Biblioteca Nacional e Secretaria do Audiovisual criam os Editais Afirmativos que recebem quase 2 mil inscrições de todo Brasil.
Porque será que o Estado brasileiro, só instaurou editais afirmativos no Ministério da Cultura 28 anos depois de sua criação?
Nós Negros e Negras segundo os últimos dados do IBGEde 2010 somos 50,7% da população brasileira.
Existe um grande número de estudos sobre relações raciais no Brasil que mostram que há uma disputa entre duas grandes correntes, de um lado, uma que identifica harmonia nas relações sociais e, de outro, uma que afirma que há racismo no país. “O racismo, aqui, é definido como uma “[...] crença na existência das raças naturalmente hierarquizadas pela relação intrínseca entre o físico e o moral, o físico e o intelecto, o físico e o cultural”. (Munanga 2000, p.24). Grande parte dos estudiosos das relações raciais concorda com essa definição, tais como: Hasenbalg (2005), (Paixão (2006) e Guimarães (2004). Para este último, “racismo, em primeiro lugar, é referido como sendo uma doutrina, quer se queira científica, quer não, que prega a existência de raças humanas com diferentes qualidades e habilidades, ordenadas de tal modo que as raças formem um gradiente hierárquico de qualidades morais, psicológicas, físicas e intelectuais. [...] Além de doutrina, o racismo é também referido como sendo um corpo de atitudes, preferências e gostos instruídos pela ideia de raça e superioridade racial, seja no plano moral, estético, físico ou intelectual” (Guimarães, 2004, p.17)”
Nós artistas, produtores, empreendedores, povos e comunidades tradicionais de matriz africana, negros e negras estamos ao lado de Frantz Fanon que afirma: “Defendemos, de uma vez por todas, o seguinte principio: uma sociedade é racista ou não o é.” Estamos ainda ao lado do Principio Fundamental da Constituição da República Federativa do Brasil que no inciso IV do artigo 3º. diz: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Estamos também fundamentados pelo Estatuto da Igualdade Racial ( Lei 12.288, de 20 de julho de 2010), pelas Leis 10.649/2003 e 11.645/2008 que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, do Decreto Federal 6040/2007 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, pela Convenção sobre a proteção e promoção da Diversidade das Expressões Culturais da UNESCO ratificado pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo 485//2006, da Convenção nº 169 sobre povos indígenas e tribais e Resolução referente à ação da OIT, do I Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana coordenado pela SEPPIR PR e que agrega os Ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Meio Ambiente, Saúde, Educação, Cultura, Planejamento, Orçamento e Gestão, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Fundação Cultural Palmares, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Do outro lado está o senhor juiz José Carlos do Vale Madeira, da 5ª Vara da Seção Judiciária do Maranhão e o escritório do advogado Pedro Leonel Pinto de Carvalho que não acreditam que há racismo no Brasil e não conhecem nenhum dos marcos legais referente às ações afirmativas em seu país. Eles ainda não conhecem nada da realidade brasileira, pois acreditam que um edital só para negros no Brasil “abrem um acintoso e perigoso espectro de desigualdade racial”.
“A ação anti-racista deve cada vez mais lutar para impor mudanças em matéria de história, para introduzir a história das vítimas e dos vencidos na narrativa histórica – o que, aliás, pode levantar problemas e suscitar debates importantes, sobretudo sobre a relação entre história e memórias.” (Wieviorka, 2008). Dessa forma, essas ações possibilitam a visibilidade do racismo, em todas as suas formas, para a população brasileira.
Por esses e muitos outros motivos, repudiamos a decisão do Juiz José Carlos do Vale Madeira, e de todo o sistema judiciário que parece querer manter a produção artística e cultural como um privilégio das elites brasileiras.
Assinam,
- - COLEGIADO SETORIAL DE CULTURA AFRO BRASILEIRA/CNPC/MinC
- - ASSOCIAÇÃO DO CULTO AFRO ITABUNENSE
- - ASSOCIAÇÃO GRAPIUNA DE ENTIDADES RELIGIOSAS DE MATRIZ AFRICANA
- - INSTITUTO NANGETU / Belém / PA
- - REDE AMAZÔNIA NEGRA (COORD. PARÁ)
- - COORDENAÇÃO AMAZÔNICA DE POVOS TARDCIONAIS DE MATRIZES AFRICANAS (COORDENAÇÃO PARÁ)
- - CENTRO CULTURAL ORUNMILÁ
- - CODAPA - COMISSÃO DE DIÁLOGO AFRORRELIGIOSO DO ESTADO DO PARÁ
- - NÚCLEO DE CULTURAS AFRO-BRASILEIRAS DO FORUN PARA AS CULTURAS POPULARES E TRADICIONAIS - FUNACULTY
- – Fundação de Apoio ao Culto e Tradição Yorùbá no Brasil
- - ASSOCIAÇÃO DE CONSCIÊNCIA NEGRA QUILOMBO- ASCONQ
- - RREMAS - Rede Religiosa de Matriz Africana do Suburbio / Vice-Presidente Edvaldo Pena da Silva
- - ACBANTU - Associação de Preservação Cultural ao Patrimônio Bantu /Taata Raimundo Komananji
- - AFA AMERINDIA / Presidente Ogan Leonel Monteiro
- - NAFRO PM - Núcleo de Apoio as Religiões de Matriz Africana da Polícia Militar /Coordenador do NAFRO e Presidente do CMCN - Conselho Municipal de Comunidade Negra / Taata Eurico Alcântara
- - SIOBÁ - Sociedade e Irmandade dos Ogans, Ojés e Taatas da Bahia / Ogan Walter Rui
- - ASSOCIAÇÃO ILÊ ASÉ OSHUM / Presidente Jeziel Silva Anjos
- - EGBÉ AXÉ - Associação dos Terreiros da Liberdade e Adjacências /Yalorisà Diana
- - RENAFRO-SAUDE-RS - Rede Nacional de Religião Afro Brasileira e Saude - Núcleo RS
- - Africanamente - Centro de Pesquisa, resgate e preservação de Tradições Afrodescendentes
- - ILE ASE IYEMONJA OMI OLODO
- - CASA DO CONGADO - Associação Nacional das Congadas, Moçambique e Marujadas - Pesquisa e Defesa das Tradições Populares - Mestre Silvio Antônio
- - FORUM PARA AS CULTURAS POPULARES E TRADICIONAIS
- - Quisqueya Brasil – projetos afro-diaspóricos de cultura e educação/ Liliane Braga
- - ILE ASE PALEPA MARIWO SESU - SP
- - Egbe Ile Iya Omidaye Ase Obalayo
Olá Etétuba,
ResponderExcluirInteressante sua colocação. Mas vários dos exemplos que tu citaste acerca das Políticas Públicas de Cultura, afetaram não somente os negros, mas todas as etnias brasileiras. Acredito sim que a etnia negra teve prejuízos históricos no país, mas com certeza é muito menor do que vemos nos outros países a ponto de serem estabelecidas políticas afirmativas tão "desigualizadoras". Este desequilíbrio pode caminhar para uma espécie de Apartheid. Concordo se os Editais tivesse parte da renda destinada a determinadas "minorias" (este termo deve ser mais questionado), mas um Edital voltado somente a grupos sociais específicos (como o das mulheres) é segregação. Acredito que os Editais Universais mantém a igualdade de acesso a todos, apenas direcionando determinadas oportunidades de forma a contemplar a diversidade cultural e social do país.
Um abraço