Era
um debate para o curso de Educaão Física da UEPA, falávamos de
corpo+mídia+política pública...
No
início eu quase vomito com a fala do secretario municipal de esporte
e lazer, com aquele discurso de zenaldolândia (a cidade perfeita
onde tudo funciona) e das diretrizes municipais para a descoberta de
talentos esportivos com corpos buRRocráticos... E aí quis falar de
corpo social+corpo cultural e luta por cidadania do povo negro, falar
da força criadora cultural da corporeidade negra e relacionar isso
com as políticas publicas de repressão ao corpo negro, como as da
Zenaldolandia, que são ancoradas em pressupostos eurocentrados e
negam o protagonismo da criação cultural de lazer do povo negro.
Aí
veio uma pergunta na covardia do anonimato, me perguntaram: "você
concorda com os recentes casos de pornografia na arte?"
Ao
que eu respondo: - Que casos? Eu desconheço esses casos, mas se a
platéia me informar de algum caso de pornografia na arte eu posso
comentar.
Demorou
um certo tempo, mas o perguntador apareceu...
Ele
vei com aquela conversinha moralista de questionar poéticas que
envolvem questões de NUDEZ, GÊNERO e SEXUALIDADES, falando em
pornografia, pedofilia e perguntando se isso é arte e se eu
concordava com isso.
Aí
eu pedi para ele me contar passo a passo o que foi que ele viu
acontecer em cada um dos casos apresentados e depois apresentar os
conceitos para: a) o que é arte; b) o que é pornografia; e c) o que
é pedofilia, e a partir desses concentos, pedia pra ele me dizer o
por quê que os acontecimentos descritos nos casos, poderiam ser
enquadrados como crime.
Resposta
rasa e rápida.... 1) não sabe o que é arte; 2) não consegue
conceituar pornografia; e 3) pedofilia é crime.
Eu recorri à Nota Técnica da Procuradoria
Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público
Federal (MPF), publicada
na
segunda-feira, 6
de novembro de 2017,
que traz uma análise jurídico-constitucional sobre a liberdade
artística e a exigência de proteção de crianças e adolescentes
contra a violência sexual e contra conteúdos inapropriados às suas
faixas etárias.
A
nota técnica traz um amplo conjunto de argumentos jurídicos na
defesa tanto dos direitos de crianças e adolescentes quanto da
liberdade de expressão em suas múltiplas formas - tendo em vista os
recentes episódios de cerceamento a obras e performances artísticas
classificadas como "imorais" ou de natureza "pedófila".
O
documento esclarece que o direito brasileiro não criminaliza a
pedofilia (entendida como um transtorno mental), mas sim a violência
sexual contra crianças e adolescentes.
Dentre
os argumentos jurídicos:
1.Os
crimes estão previstos no Código Penal e no Estatuto da Criança e
do Adolescente - ECA e envolvem a prática de atos lascivos com ou na
presença de crianças, ou ainda a produção, comercialização,
distribuição e posse de fotografias e imagens de crianças e
adolescentes reais em uma cena de sexo explícito ou pornográfica.
2.porém,
que nem toda nudez, adulta ou infantil, envolve a prática de ato
lascivo ou tem por fim a confecção de cena ou imagem sexual. "Não
apenas em culturas indígenas, como também em muitas práticas
comuns no Brasil e em outros países, a nudez está desprovida de
qualquer conteúdo lascivo. É o que ocorre, por exemplo, com o
naturismo".
3.no
âmbito da artes, a nudez e sua representação fazem parte do
registro de todas as civilizações, e que apresentações envolvendo
a nudez do artista ocorrem com frequência em museus de arte
contemporânea e moderna do mundo.
4.
segundo a Constituição e o ECA, a classificação etária possui
natureza meramente indicativa, pois está voltada a garantir às
pessoas e às famílias conhecimento prévio para escolher diversões
e espetáculos públicos que julguem adequados. Por ser "indicativa",
a classificação efetuada pelo poder público não possui força
vinculante; assim, não cabe ao Estado (nem aos promotores do
espetáculo ou diversão) impedir o acesso de crianças ou
adolescentes a eventos classificados como "inadequados" à
sua faixa etária, especialmente quando estejam elas acompanhadas por
seus pais ou responsáveis. Compete exclusivamente a estes decidir
sobre o acesso de seus filhos menores a conteúdos televisivos e a
diversões e espetáculos em geral, conforme decidido pelo STF no
julgamento da ADI 2.404/DF, referente à classificação indicativa
da TV.
5.segundo
o critério adotado pelo próprio órgão do Ministério da Justiça
encarregado de fazer a classificação indicativa para a TV, a nudez
não-erótica (isto é, exposta sem apelo sexual, tal como em
contexto científico, artístico ou cultural) não torna o conteúdo
impróprio para crianças, mesmo as menores de 10 anos
6.O
documento da PFDC aponta a jurisprudência do STF referente a
"posição de preferência" da liberdade de expressão em
relação a outros direitos fundamentais, inclusive para abranger
manifestações "desagradáveis, atrevidas, insuportáveis,
chocantes, audaciosas ou impopulares" (ADPF 187/DF).
7.Com
relação à liberdade artística, a Nota Técnica registra que,
segundo jurisprudência de outros tribunais constitucionais, as
manifestações artísticas estão sujeitas a um trabalho de
interpretação, e uma visão geral do trabalho do artista constitui
um elemento indispensável dessa interpretação. Portanto, não é
permitido remover partes individuais de uma obra de arte do seu
contexto e sujeitá-los a um exame independente para se determinar se
devem ou não ser considerados como delitos.
8.Em
favor de uma maior tolerância social com relação à liberdade
artística, a Nota Técnica cita obras hoje consagradas que, à época
em que foram apresentadas, causaram forte reação social contrária,
e mesmo ações penais por parte do Ministério Público, como
ocorreu com o aclamado romance de Gustave Flaubert, Madame Bovary.
E
com esses argumentos eu perguntei se ele considerava “lasciva” a
nudez do artista.
Disse que esse assunto envolvia censura à liberdade de
expressão artística e que o combate à censura fazia parte da vida
do artista, faz parte da minha vida.
Terminei
com uma pergunta, e disse que eu não tinha conhecimento,mas que eu
gostaria de saber como é que aquele curso de formação em educação
física e os profissionais da área debatiam e combatiam o assédio
sexual à jovens atletas que tentavam carreira profissional no
futebol, ou casos de assédio à atletas mulheres, como o relatado
pela nadadora Joana Maranhão.
E
aí? A Educação Física debate essas coisas ou seus profissionais
(e estudantes) só querem ser críticos da 'arte da desinformação'?
Táta Kinamboji/ Arthur Leandro
Fontes:
Crianças
vulneráveis a abusos sexuais em escolinhas de futebol no Brasil
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/21/deportes/1505949724_452491.html?id_externo_rsoc=TW_CC