sábado, 2 de dezembro de 2017

"Em face da escravidão negra, restaurar a dignidade deve se tornar uma paixão africana"

publicado no Le Monde em 25.11.2017. A tradutora, a Marie Thauront faz os comentários iniciais: como diz Achille Mbembe Enquanto a Africa nao estiver de pé, nao for a sua força própria, a condição humana plena e inteira das minorias de ascendência africana sera questionada. traduzi o texto que os farois do pensamento Achille Mbembe e Felwine Sarr publicaram no le Monde ontem, a respeito da venda de pessoas subsaarianas na Libia, a respeito do nosso devir no mundo.


Escravidao dos negros na líbia, restaurar a dignidade.

Já sabíamos, mas recusávamos abrir os olhos e nos dar conta do que estava acontecendo. Notícias dos tratamentos indignos impostos aos homens e mulheres negras na Líbia chegam até aqui há algum tempo, mas sufocados pelo costume ao caos, à violência cega e suas expressões múltiplas num universo hoje saturado pelas representações mais sórdidas, bombardeios, decapitações, cidades em guerra devastadas, estes acontecimentos líbios nos pareciam distantes. Provavelmente não desejávamos nos confrontar a uma realidade que reabriria a ferida, e que mais uma vez diria a nossa vulnerabilidade passada e presente, a posição pouco invejável que ocupamos nas representações e nos imaginários de vários grupos humanos. A imagem brutal destas feiras de escravos onde africanos são leiloados nos desperta e nos coloca diante desta realidade nua. No primeiro quarto do século 21, jovens africanos são colocados como gado em mercados de escravos e leiloados na Líbia (por 400 dólares em média) como antigamente durante o tráfico transatlântico ou os tráficos transaarianos. Os corpos destes jovens africanos negros são roubáveis, alienáveis, postos em trabalhos forçados, podem submetê-los aos piores castigos e desumanidades. O sujeito africano de pele preta, o migrante, se tornou neste século 21, como já dizia o poeta Cesaire, esse homem-fome, homem-insulto, homem-tortura, podem pega –lo a qualquer momento, batê-lo, mata-lo. Mata-lo perfeitamente, mata-lo sem ter que prestar contas a ninguém, sem ter que pedir desculpas a ninguém. É esta a realidade assustadora que precisamos enfrentar. Podemos falar novamente sobre os motivos de tal situação, mesmo sabendo que eles nunca serão suficientes para explicar como chegamos neste ponto. Os motivos são múltiplos e implicados entre si. Caos Líbio, cujo mestre de obra foi Nicolas Sarkozy, racismo endêmico anti preto em várias partes das sociedades árabes, politicas migratórias europeias, ordem geopolítica mundial, posição estratégica subalterna da África ao sul do Saara no tabuleiro global etc. Dentre esses motivos, o mais imperioso é a incapacidade dos estados subsaarianos em oferecer condições de vida digna no proprio continente para grande parte de sua juventude. Esta situação jogou estes jovens nas rotas de um exilo muitas vezes trágico. Acrescenta- se o fracasso simbólico destes estados subsaarianos na sua incapacidade em defender nem que fosse no plano dos princípios, a dignidade de seus cidadãos, quando não são os primeiros em desrespeita-la (insegurança econômica, jurídica, politica, psíquica, física...), fracasso que dá vazão para a impunidade e a permissão para humilhar dos traficantes e racistas de todo tipo. É uma ladeira escorregadia de indignidades consentidas e acumuladas que nos trouxe a esta situação. No início do conflito líbio, africanos já são perseguidos, engaiolados e destruídos. Na Mauritânia, a escravidão hereditária perdura. No Marrocos, migrantes são trancados em centros de retenção financiados pela união europeia, em condições desumanas, e as vezes jogados e abandonados no deserto. Na Argélia, grupos violentos se organizam e subsaarianos são expulsos pelos motivos mais racistas (eles propagariam a aids). Na Tunísia estudantes são diariamente vítimas de atos racistas, e tudo isto sem nenhuma reação audível por parte dos estados de origem destas pessoas. Este silencio ensurdecedor e essa aptidão à não reação se amplia em todo tipo de racismo imposto aos jovens negros pelo mundo: linchamentos na Índia e na Rússia, comparação de africanos com animais num museu na China, morte violenta de Afro Americanos nos estados unidos etc. Praticamente, não tem lugar seguro para um africano sobre a terra. Nossos chefes de estado são Charlie, mas quando se trata de seus compatriotas, sua indignação se torna vergonhosamente silenciosa. Nos apresentam a ausência gritante de uma palavra política restauradora, que soa como que uma aceitação dos tratamentos indignos que lhe são infligidos pelos outros. Esta aceitação das indignidades impostas aos seus cidadãos começa pela assinatura de acordos chamados de readmissão em troca de alguns subsídios e a apatia diante dos tratamentos degradantes infligidos aos africanos expulsos pelas policias europeias e norte africanas. Raras vezes estados oeste-africanos (Senegal, Costa do Marfim) organizaram repatriamentos de seus cidadãos ao ermo até seus países de origem. Mas sabemos que o dinheiro enviado por estes migrantes para suas famílias trazem mais recursos ao continente do que a ajuda pública para o desenvolvimento. Ainda sobre os migrantes, é como se sua partida determinasse a sua exclusão de preocupação e dever de proteção pela comunidade. Fazer parte de uma comunidade, é proteger seus membros de toda forma de vulnerabilidade onde quer que estejam. Tem países que desencadeiam operações armadas para ir buscar seus compatriotas. Há alguns séculos temos dificuldades em realizar este desafio. Durante o tráfico transatlântico, uma parte das elites do continente falharam ao seu dever de proteção colaborando com a coisa. Este trafico, e o caos que ele gerou, desestruturou duravelmente as sociedades africanas e arruinou a noção de confiança. Nossas comunidades perderam a capacidade de proteger e cuidar de seus membros. O que fazer? Restabelecer a dignidade é a primeira urgência. Recusar o estatuto de vítima expiatória que querem nos dar pelo mundo afora, com o pretexto de que seriamos “pobres”. Para isto, é urgente trocar o modo da queixa pelo modo de imposição ao mundo do respeito de nossa integridade e humanidade e isto, como princípio não negociável que colocamos acima de tudo, em todas as relações que articulamos com os outros. Precisamos então dar fim à todas as posturas de vítima e ao imperialismo da compaixão que é sua face inversa, recusando toda forma de ajudas, comiserações e tratamentos que nos colocam e nos mantem num lugar subalterno. Na História, ninguém foi libertado pela magnanimidade do opressor. Só a luta emancipa e para isso, as virtudes que importam são a coragem, a recusa em bloco do abjeto que querem nos impor, a autoestima e a intransigência na sua preservação. Os exemplos de lutas políticas e sociais de homens e mulheres africanxs ao longo da história são inúmeros. As resistências ao tráfico negreiro e ao fato colonial, passando pelas lutas abolicionistas desde a quilombagem até os movimentos pelos direitos civis nos Estados Unidos e as lutas pela abolição do apartheid testemunham da capacidade dos africanos e de seus descendentes em se libertar das servidões. Em geral, os prisioneiros se libertam sozinhos da opressão. O genocídio Tutsi em Ruanda aconteceu à luz do dia, debaixo dos olhos da comunidade internacional. Foi a Frente Patriótica de Ruanda (FPR) que lutou pelo fim do massacre. Aliás, é significativo que Ruanda seja o pais africano mais intransigente em relação ao respeito da dignidade de seus cidadãos e não tolera nenhuma ofensa para com esta dignidade, nem simbólica. Nossos estados precisam ser intransigentes com todas as formas de descriminação, de racismo e de ameaça à integridade física e psíquica de seus cidadãos. Eles precisam acabar com a acomodação e o consentimento perante as indignidades, mobilizando em tais circunstâncias todos os recursos políticos, jurídicos e simbólicos de que dispõem para significar sua recusa absoluta de toda abjeção (queixa judicial, licenciamento e volta dos embaixadores, boicote de países e de reuniões internacionais, sanções econômicas, pronunciamento político público exigindo justiça e reparação, uso da força militar se for preciso...) este combate pelo restabelecimento da dignidade, ninguém o levara por nos. No fundo, se trata de uma luta pela humanidade de todos, mas levada a partir de uma situação particular. Assim que a comoção dissipar, precisamos manter uma fria determinação em trabalhar para oferecer condições de vida digna a estes milhões de jovens africanos no próprio continente, que a ausência de oportunidades e a perda da confiança no Estado joga nas estradas. Trabalhar para desvulnerabiliza-los. Isto implica na construção de nações fundadas sobre um contrato social que tenha como base a equidade e o bem estar de todos, colocando a integridade psíquica e física de seus cidadãos no coração de suas produções políticas. Para isto, é urgente trabalhar na construção de democracias substanciais nos nossos países, permitindo a participação de todos para a inteligência coletiva e o controle da ação pública. Também é necessário trabalhar para um novo equilíbrio de nossas relações internacionais que muitas vezes nos são desfavoráveis e nos privam dos recursos necessários para os trabalhos (econômicos, políticos e simbólicos) Voltar a ser a sua potência própria não acontecera sem um trabalho de respeito de si e de exigência de respeito para si. Se a liberdade é a capacidade de se subtrair a toda forma de opressão e predação, haja visto a história recente do continente, esta tem que se tornar uma paixão africana. Está na hora dos dirigentes dos estados africanos tomarem nota disso e compreender que a obra de restauração e de preservação de nossa dignidade é a prioridade absoluta. Exigimos deles que eles assumem corajosamente o desafio. Felwine Sarr e Achille Mbembe

no francês Le Monde.




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« Face à l’esclavage des Noirs, restaurer la dignité doit devenir une passion africaine »

Dans une tribune au « Monde » à la suite des révélations sur les traitements des Noirs en Libye, l’écrivain Felwine Sarr et le philosophe Achille Mbembe demandent aux Etats africains de mieux protéger leurs ressortissants.
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Un manifestant devant l’ambassade de Libye à Rabat au Maroc, le 23 novembre.

Tribune. Nous le savions, mais refusions pleinement d’ouvrir les yeux et de prendre la mesure de ce qui se jouait. Les échos des traitements indignes infligés aux hommes et femmes noirs en Libye nous parviennent depuis un certain temps, mais étouffés par une accoutumance au chaos, à la violence aveugle, à ses expressions multiples, dans un univers désormais saturé par ses représentations les plus sordides : bombardements, décapitations, villes en guerre dévastées, ces faits nous semblaient lointains.
Sans doute ne désirions-nous pas nous confronter à une réalité qui raviverait la plaie, et qui dirait une fois de plus notre vulnérabilité passée et présente, la position peu enviable que nous occupons dans les représentations et les imaginaires de maints groupes humains.
L’image brutale de ces marchés aux esclaves où des Africains sont vendus aux enchères nous réveille et nous renvoie à la face cette réalité nue
L’image brutale de ces marchés aux esclaves où des Africains sont vendus aux enchères nous réveille et nous renvoie à la face cette réalité nue. Dans le premier quart de ce XXIe siècle, de jeunes Africains sont étalés comme du bétail sur des marchés d’esclaves et mis aux enchères en Libye – à 400 dollars en moyenne –, comme jadis lors de la traite transatlantique ou des traites transsahariennes. Les corps de ces jeunes Africains noirs sont volables, aliénables, corvéables ; on peut les soumettre aux pires sévices et inhumanités.
Le sujet africain de peau noire, le migrant, est devenu en ce XXIe siècle, comme l’indiquait Césaire, cet « homme-famine », cet « homme-insulte », cet « homme-torture » : on peut à n’importe quel moment le saisir ; le rouer de coups, le tuer parfaitement, le tuer sans avoir de compte à rendre à personne ; sans avoir d’excuses à présenter à personne. C’est à cette réalité effroyable que nous devons faire face.
On peut revenir sur les raisons d’une telle situation, même...

E

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