quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Receita de farofa ou Para que serve papai?, de Pedro Neto.

Dedico esta receita especialmente para Iyagbase Olasedele, Eloi Goes, Iya Ilayeomin Pati Neves, Asoju Oba Alaketu Aulo Barretti Filho, Iya Sessu, Baba Paulo Ifatide Ifamoroti, Koota Regina NogueiraSilvany Euclênio,Vilma Piedade, Taata Arthur Leandro, Mãe Beth de Oxum e Sandra Camposs
Receita de farofa ou Para que serve papai?
Pedro Neto
Um dia, chamei Bilajaiye e seus irmãos Kobiola, Omolade e Abayomi, para todos juntos prepararmos uma farofa para Èsù. Todos aceitaram o meu convite com alegria e entusiasmo. Fomos então, pegar os apetrechos para ritualizar nossa origem de matriz africana yorùbá.
Ingredientes necessários ou princípios civilizatórios:
Circularidade
Ancestralidade
Continuidade
Èsù
Movimento
Força
Em alguns casos: Paciência
Na cozinha de nossa comunidade tradicional, reunimos todos os ingredientes. O fogão a lenha estava a toda quentura. Bilajaiye logo pergunta a que horas colocaríamos a farofa sobre as chamas do fogão. Explicamos que aquela farofa não ia ao fogo, pois ela era o próprio fogo, e neste caso, fogo cru e não cozido.
Modo de preparo ou como ritualizar nossa origem:
Pegamos a Circularidade [alguidar], princípio e relação de poder tradicional de matriz africana horizontal, onde todos podem ver, falar, fazer e pensar em círculo, e despejamos nossa Ancestralidade [farinha de mandioca], grãos díspares e dispersos, multidão de pontos que compõem nosso corpo e nossa noção de ser. Feito isso, colocamos na Circularidade um pouco de Continuidade [sal], elemento que preserva por meio de tempos imemoriáveis nossa imortalidade. Jogamos então Èsù [azeite de dendê], nosso indivisível líquido masculino e feminino, o elemento que transforma as partes no todo. Colocamos em seguida um pouco de Movimento [aguardente ou gin], ninguém fica triste ou parado quando quer conquistar um objetivo. Em alguns casos, podemos colocar Paciência [água], ingrediente que acalma e da vida, mas em excesso, morre afogado, por isso, caso queiram colocar Paciência, façam com parcimônia.
Em seguida, todos nós colocamos as mãos e fizemos destes ingredientes uma massa, um ser, um pedido e agradecimento comunitário.
Mascamos um pouco de Força [pimenta da costa], o que fortalece a palavra e faz acontecer, e despejamos na cheirosa e úmida farofa.
Colocamos a farofa novamente na Circularidade [alguidar], que vai dar a forma final deste predicado, atenção, sem apertar a massa. Logo depois, com o dedo maior fazemos a marca do espiral endógeno òkotó, o principal símbolo de crescimento continuo do povo yorùbá.
Terminamos, a dinâmica estava pronta! Bilajaiye pergunta: Para que serve Papai?
Filho! Serve para ritualizar nossa origem. Donde viemos e para onde queremos ir. Serve para lembrar aos iniciados na tradição yorùbá, que tudo tem sentido e motivo. Vale muito mais saber o que e porque se faz, do que fazer por fazer.
Sabem de uma coisa, ainda tem muita gente que acha a receita simples demais.

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