sábado, 18 de novembro de 2017

Toda nudez será castigada? Atravessamentos em um debate sobre o corpo...

Era um debate para o curso de Educaão Física da UEPA, falávamos de corpo+mídia+política pública...




No início eu quase vomito com a fala do secretario municipal de esporte e lazer, com aquele discurso de zenaldolândia (a cidade perfeita onde tudo funciona) e das diretrizes municipais para a descoberta de talentos esportivos com corpos buRRocráticos... E aí quis falar de corpo social+corpo cultural e luta por cidadania do povo negro, falar da força criadora cultural da corporeidade negra e relacionar isso com as políticas publicas de repressão ao corpo negro, como as da Zenaldolandia, que são ancoradas em pressupostos eurocentrados e negam o protagonismo da criação cultural de lazer do povo negro.

Aí veio uma pergunta na covardia do anonimato, me perguntaram: "você concorda com os recentes casos de pornografia na arte?"
Ao que eu respondo: - Que casos? Eu desconheço esses casos, mas se a platéia me informar de algum caso de pornografia na arte eu posso comentar.
Demorou um certo tempo, mas o perguntador apareceu...
Ele vei com aquela conversinha moralista de questionar poéticas que envolvem questões de NUDEZ, GÊNERO e SEXUALIDADES, falando em pornografia, pedofilia e perguntando se isso é arte e se eu concordava com isso.
Aí eu pedi para ele me contar passo a passo o que foi que ele viu acontecer em cada um dos casos apresentados e depois apresentar os conceitos para: a) o que é arte; b) o que é pornografia; e c) o que é pedofilia, e a partir desses concentos, pedia pra ele me dizer o por quê que os acontecimentos descritos nos casos, poderiam ser enquadrados como crime.
Resposta rasa e rápida.... 1) não sabe o que é arte; 2) não consegue conceituar pornografia; e 3) pedofilia é crime.
Eu recorri à Nota Técnica da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal (MPF), publicada na segunda-feira, 6 de novembro de 2017, que traz uma análise jurídico-constitucional sobre a liberdade artística e a exigência de proteção de crianças e adolescentes contra a violência sexual e contra conteúdos inapropriados às suas faixas etárias. 
A nota técnica traz um amplo conjunto de argumentos jurídicos na defesa tanto dos direitos de crianças e adolescentes quanto da liberdade de expressão em suas múltiplas formas - tendo em vista os recentes episódios de cerceamento a obras e performances artísticas classificadas como "imorais" ou de natureza "pedófila". 
O documento esclarece que o direito brasileiro não criminaliza a pedofilia (entendida como um transtorno mental), mas sim a violência sexual contra crianças e adolescentes.
Dentre os argumentos jurídicos:
1.Os crimes estão previstos no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA e envolvem a prática de atos lascivos com ou na presença de crianças, ou ainda a produção, comercialização, distribuição e posse de fotografias e imagens de crianças e adolescentes reais em uma cena de sexo explícito ou pornográfica.
2.porém, que nem toda nudez, adulta ou infantil, envolve a prática de ato lascivo ou tem por fim a confecção de cena ou imagem sexual. "Não apenas em culturas indígenas, como também em muitas práticas comuns no Brasil e em outros países, a nudez está desprovida de qualquer conteúdo lascivo. É o que ocorre, por exemplo, com o naturismo".
3.no âmbito da artes, a nudez e sua representação fazem parte do registro de todas as civilizações, e que apresentações envolvendo a nudez do artista ocorrem com frequência em museus de arte contemporânea e moderna do mundo. 
4. segundo a Constituição e o ECA, a classificação etária possui natureza meramente indicativa, pois está voltada a garantir às pessoas e às famílias conhecimento prévio para escolher diversões e espetáculos públicos que julguem adequados. Por ser "indicativa", a classificação efetuada pelo poder público não possui força vinculante; assim, não cabe ao Estado (nem aos promotores do espetáculo ou diversão) impedir o acesso de crianças ou adolescentes a eventos classificados como "inadequados" à sua faixa etária, especialmente quando estejam elas acompanhadas por seus pais ou responsáveis. Compete exclusivamente a estes decidir sobre o acesso de seus filhos menores a conteúdos televisivos e a diversões e espetáculos em geral, conforme decidido pelo STF no julgamento da ADI 2.404/DF, referente à classificação indicativa da TV.
5.segundo o critério adotado pelo próprio órgão do Ministério da Justiça encarregado de fazer a classificação indicativa para a TV, a nudez não-erótica (isto é, exposta sem apelo sexual, tal como em contexto científico, artístico ou cultural) não torna o conteúdo impróprio para crianças, mesmo as menores de 10 anos
6.O documento da PFDC aponta a jurisprudência do STF referente a "posição de preferência" da liberdade de expressão em relação a outros direitos fundamentais, inclusive para abranger manifestações "desagradáveis, atrevidas, insuportáveis, chocantes, audaciosas ou impopulares" (ADPF 187/DF).
7.Com relação à liberdade artística, a Nota Técnica registra que, segundo jurisprudência de outros tribunais constitucionais, as manifestações artísticas estão sujeitas a um trabalho de interpretação, e uma visão geral do trabalho do artista constitui um elemento indispensável dessa interpretação. Portanto, não é permitido remover partes individuais de uma obra de arte do seu contexto e sujeitá-los a um exame independente para se determinar se devem ou não ser considerados como delitos.
8.Em favor de uma maior tolerância social com relação à liberdade artística, a Nota Técnica cita obras hoje consagradas que, à época em que foram apresentadas, causaram forte reação social contrária, e mesmo ações penais por parte do Ministério Público, como ocorreu com o aclamado romance de Gustave Flaubert, Madame Bovary.

E com esses argumentos eu perguntei se ele considerava “lasciva” a nudez do artista.

Disse que esse assunto envolvia censura à liberdade de expressão artística e que o combate à censura fazia parte da vida do artista, faz parte da minha vida.

Terminei com uma pergunta, e disse que eu não tinha conhecimento,mas que eu gostaria de saber como é que aquele curso de formação em educação física e os profissionais da área debatiam e combatiam o assédio sexual à jovens atletas que tentavam carreira profissional no futebol, ou casos de assédio à atletas mulheres, como o relatado pela nadadora Joana Maranhão.

E aí? A Educação Física debate essas coisas ou seus profissionais (e estudantes) só querem ser críticos da 'arte da desinformação'?

Táta Kinamboji/ Arthur Leandro



Fontes:
NOTA TÉCNICA NO 11/2017/PFDC/MPF Assunto: Liberdade de expressão artística em face da proteção de crianças e adolescentes. Ver em http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/temas-de-atuacao/direitos-sexuais-e-reprodutivos/nota-tecnica-liberdade-artistica-e-protecao-de-criancas-e-adolescentes

Aos 9, foi abusada sexualmente. Aos 12 estava em um Pan-Americano. Aos 17, em uma Olimpíada. Aos 19, tentou se matar. Aos 27, voltou a competir e encontrou a liberdade https://revistatrip.uol.com.br/tpm/joanna-maranhao-fala-do-abuso-na-infancia-da-vez-que-tentou-se-matar-e-da-volta-as-piscinas



Muitos jogadores de futebol consagrados já foram vítimas de abuso sexual” https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/27/deportes/1506468596_517639.html?id_externo_rsoc=TW_CC

Crianças vulneráveis a abusos sexuais em escolinhas de futebol no Brasil https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/21/deportes/1505949724_452491.html?id_externo_rsoc=TW_CC



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