terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Quando o mercado domina a cultura, o a falácia da diversidade na cultura capitalista de um país racista.


Estamos na terceira edição da Conferência Nacional de Cultura, e pela terceira vez em 11 anos estamos novamente debatendo (e propondo) políticas para a diversidade cultural. Já passamos da etapa municipal e estamos no fim dos processos de mobilização em cada um dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal.
O estado de mobilização social renova a esperança da democratização das verbas na cultura, mas enquanto os agentes de culturas afro-brasileiros, artistas, os fazedores de cultura, os mestres da cultura popular, os representantes de povos indígenas e de povos e comunidades tradicionais e toda a sorte da diversidade brasileira se mobilizam para diretrizes de políticas diversificadas, o MinC investe na industria cultural e usa de argumentos de mercado para manter o financiamento da cultura como privilégio de poucos.
Recentemente a ministra Marta Suplicy usou poder atribuído legalmente por sua prerrogativa de ministra para aprovar um projeto de desfile de moda em Paris para Pedro Lourenço, estilista paulista, um projeto que não havia passado na avaliação da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que é quem decide quem pode captar via Lei Rouanet, e justificou seu ato utilizando o "soft power" - conceito que propõe fortalecer a imagem do país no exterior a partir de bens imateriais. Mas que imagem projetada é essa, é a imagem da diversidade? Enquanto uma “canetada” ministerial resolve o destino de quase 3 milhões de reais para a realização de um desfile em Paris de um único estilista e via renúncia fiscal, baianas do acarajé tem de enfrentar uma batalha, inclusive judicial, para terem suas banquinhas funcionando durante a copa do mundo de 2014 nos arredores do estádio da Fonte Nova, em Salvador/BA, e a cultura popular ainda corre riscos de ter de alterar calendário de festas tradicionais em função do evento esportivo da FIFA.
Já fazem 11 anos que festejamos com euforia a vitória de Lula nas eleições do ano 2002, naquele momento parecia que bastava tomar o poder e governar com um presidente operário que todas as mazelas sociais seriam resolvidas, o sentimento era da democracia que sorria pros brasileiros e, por conseguinte, que também iria sorrir para a diversidade cultural. Porém, passada a euforia, hoje mesmo se somarmos o orçamento anual do MinC com o montante do Fundo Nacional de Cultura e do financiamento direto através de renúncia fiscal, vamos chegar a um resultado de aproximadamente cinco ou seis bilhões de reais de investimentos anuais em arte e cultura no Brasil. É verdade que ainda é pouco, mas é um valor considerado, o problema é que ele não é democraticamente distribuído nem geográficamente e nem, tampouco, considera a diversidade étnica e racial brasileira.
Durante a segunda conferência nacional de cultura, em março de 2010, foi divulgado levantamentos estatísticos do ministério da cultura que nos mostravam que enquanto menos de 1% da verba estatal da cultura era destinada para a região norte, cerca de 36% do montante das verbas federais ficavam na zona sul da cidade de São Paulo, ou seja: no centro do poder econômico, e embora não tenhamos informações quais as manifestações culturais foram e são financiadas, é fácil concluirmos que o total de investimentos para a diversidade cultural foi, e é, de menos de 2 milhões, menos de 5% do total da soma dos 5 bilhões.
O paradoxo com que o MinC trata o finaciamento estatal para as diferentes manifestações culturais brasileiras nos leva a crer que, embora se fale muito na diversidade cultural e que até tenhamos experimentado algum financiamento para culturas afro-brasileras, para as culturas de povos indígenas e para as culturas populares, muito pouco mudou desde o tempo do Brasil como colônia portuguesa e que a cultura em razão de estado ainda é a cultura de origem européia, uma cultura que nos aproxima do primeiro mundo pela aparência mas que nos distancia de nós mesmos. E talvez seja por isso que Marta Suplicy intervenha com tanta rapidez para garantir o desfile do estilista da elite paulistana em Paris e não tenha tanta destreza para garantir essa “imagem soft-power” para as culturas afro-brasileiras, para as culturas indígenas e de povos e comunidades tradicionais e para as culturas populares aqui mesmo dentro do Brasil que espera turistas estrangeiros em grandes eventos esportivos.
A postura em relação à política cultural ainda parece menos diversificada e mais próxima da frase “os ricos devem ficar mais ricos para que, por sua vez, os pobres possam ficar menos pobres” que explica a política econômica no discurso de posse do ditador Emílio Garrastazzu Médici, em 1972. O Estado se aliou ao mercado contra a natureza e a cultura, e Marta parece que levou a sério os princípios econômicos da ditadura militar brasileira e age menos para a diversidade cultural e mais para a concentração das verbas públicas da cultura em endereços das elites econômicas nas zonas sul do Rio de Janeiro e, principalmente, de São Paulo.
O que precisamos discutir é pra onde vai o dinheiro público, e essa distribuição de recursos mais democrática vai depender de uma política afirmativa eficaz para o MinC, e da mesma forma que o MEC adotou cotas sociais que consideram o percentual de auto-declaração racial para o acesso aos ensino superior nas universidades e nos institutos federais de educação tecnológica, precisamos que o MinC tenha a mesma postura e adote um percentual de distribuição de verbas para as culturas brasileiras de matriz africana, para as culturas de povos indígenas, populares e tradicionais e, com uma política afirmativa e inclusiva, quem sabe um dia a gestão pública da cultura tenha alguma influência na promoção da diversidade das culturas brasileiras.

Arthur Leandro/ Táta Kinamboji
é Kisikar'Ngomba no Mansu Nangetu
representante titular das culturas afro-brasileiras no Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC/MinC) 
Professor na Faculdade de Artes Visuais e atua no Grupo de Estudos Afro-Amazônicos da UFPA.

O Jornal Resistência é o principal veículo de comunicação da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, que agora ganha uma versão online aberta ao debate de todos os temas relacionados à defesa dos direitos humanos na Amazônia. Ver as edições em http://sddh.org.br/?page_id=64

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