sábado, 21 de outubro de 2017

Eu, também, exijo respeito com meu povo.


Na reunião do Grupo de Trabalho instituído pelo Conselho Estadual de Segurança Pública/CONSEP-PA cujo objetivo é o de investigar a violência e os assassinatos contra autoridades e lideranças de povos tradicionais de matriz africana, em especial o que ocorreu nesta quarta-feria, dia 18 de outubro de 2017, travamos um debate inusitado... Tudo começou com a presença muito bem vinda da Delegada Hildenê Moraes - titular da Delegacia de Combate a Crimes Discriminatórios e Homofóbicos/DCCDH. Ocorre que, se num primeiro momento poderia parecer que a Delegada havia, finalmente, se disposto a dialogar com o GT de Matriz Africana, e que nos traria informações sobre as ações daquela delegacia que efetivamente atuassem no sentido de combater o racismo de que são vítimas as comunidades tradicionais de matriz africana, o que vimos foi a delegada pedir aos presentes que escrevessem uma carta de apoio à ela mesma, dizendo que a corregedoria de policia civil havia recebido uma queixa registrada contra ela, e esta queixa foi feita por uma autoridade tradicional de matriz africana. Disse, ainda, que a pessoa que registrou a queixa a tratou-a com arrogância quandoi estev na delegacia, e que não iria permitir que a tratassem assim, e; num outro momento - relatando um outro caso que eu a relembrei - disse que ela não iria ceder à pressão das autoridades de matriz africana…
Como assim?
Se, o Grupo de Trabalho foi criado para investigar a violência contra o nosso povo e para propor políticas de proteção à um grupo vulnerável. Estamos reunindo - duas reuniões mensais desde abril deste ano e esta foi a segunda vez que eu registrei a presença da referida Delegada responsável pela delegacia que deveria investigar e proteger as comunidades de povos tradicionais de matriz africana. E, é a própria delegada vem para reclamar da representação apresentada à Corregedoria por autoridade de povos tradicionais de matriz africana que havia sido vítima de racismo?
Espera aí... me diz de novo, como assim?
Violência institucional também é violência? Se violência institucional for considerada violência então podemos considerar este como mais um caso de violência contra as tradições de matriz africana?
A questão é que nos dias 10 e 11 de outubro, este GT, em parceria com a ouvidoria do SIEDS-PA e mais o Comitê Nacional da Diversidade Religiosa - vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República -, realizou o Seminário Nacional “O Direito à Religião também é um Direito Humano”, e nesse seminário, com a participação de autoridades de segurança pública do Pará, havia espaço para relatos de violência sofrida por parte de autoridades e lideranças dos terreiros, e em um desses relatos, presenciado pelo corregedor da polícia civil, a vítima de violência relatou as suas dificuldades em registrar a ocorrência naquela DCCDH de responsabilidade da Delegada Hildenê, e imediatamente o corregedor, cumprindo com sua função institucional, registrou e encaminhou a queixa deste pai de santo para a devida apuração.
PERGUNTO: o que a Delegada Hildenê quer é nos calar? Não podemos reclamar do atendimento na delegacia de crimes discriminatórios? O que é que a Delegada Hildenê tem de vir pedir carta de apoio por causa disso? Até onde eu sei dos procedimentos, imagino que a corregedoria vai ouvir a versão dela para poder chegar a uma conclusão mediando as versões dos fatos. E volto a perguntar – por que motivo ela veio pedir o apoio deste GT?
De antemão, digo aqui o que eu disse na reunião, e digo e afirmo que eu sei que a atuação dela nos casos de combate à homofobia é exemplar, e reafirmo que não tenho nenhum interesse de prejudicar a carreira funcional desta ou daquela delgada. Aliás, relembro que o nosso debate no CONSEP-PA tem sido pela educação de servidores do sistema de segurança pública, sistema de justiça e sistema prisional para as relações étnico-raciais e combate ao racismo. Queremos formação de servidores queremos formação de servidores para que entendam o contexto social dos territórios tradicionais de resistência negra, e entendam que quando sofremos com ações da vizinhança, de funcionários públicos, de policiais e outros, aqueles que nos agridem acham que podem nos agredir porque somos “macumbeiros” e por isso nós nem deveríamos existir...
E é por isso que eu não posso deixar de reclamar da atuação da Delegada Hildenê e de sua equipe. Posso dizer que em três casos recentes de violência contra pais e mães de santo, a Delegada Hildenê dificultou o registro de ocorrências de racismo (ou injuria racial, ou como queiram chamar), e desqualificou as queixas dos reclamantes para sugerir que registrassem as ocorrências como meras ameaças, sem considerar que essas ameaças ocorrem por motivação de identidade étnico-racial das tradições de matriz africana.
Em dois desses casos, antes das vítimas chegarem até a delegacia de combate a crimes discriminatórios e homofóbicos, essa mesmas vítimas já haviam ido à delegacia mais próxima e em ambos os casos saíram dessas delegacias como agressoras de seus algozes, e quando chegam na DCCDH ainda encontram a indisposição da escuta por parte das autoridades policiais da delegacia especializada.
Acompanhei a saga de uma delas, que teve de ir três vezes nessa mesma delegacia para que enfim, sob muita pressão, a delegada finalmente aceitasse o registro da ocorrência. Essa indisposição para a escuta e para o registro dos casos da violência sofrida é que tem afastado s comunidades de terreiros da busca da garantia de seus direitos.
Por esses motivos e, por reconhecer que a mesma delegada que compreende perfeitamente o contexto social da população LGBT e que por isso mesmo realiza um excelente trabalho no combate à homofobia, é a mesma delegada que não consegue apreender o contexto daquilo que chamamos de 'racismo religioso', ou apenas racismo. Um racismo que é praticado contra as autoridades e lideranças de povos tradicionais de matriz africana e que resulta em assassinatos, em violação de direitos e em depredação de locais de culto do povo tradicional de matriz africana.
Por esses motivos que proponho ao Governo do Pará que reafirme o seu compromisso com o combate à violência à todos os grupos sociais vulneráveis, e mantenha a Delegada Hildenê Moraes no combate à homofobia, mas que crie uma outra delegacia de combate ao racismo, desiganando um delegado ou delegada disposto ao trato com a população negra e com os povos tradicionais de matriz africana.

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