A presidente da Fundação Municipal de Cultura de Macapá - Márcia Correa -, recebeu uma comissão de representantes das culturas tradicionais de terreiros de matriz africana para uma conversa inicial sobre política cultural e a implantação do Sistema Municipal de Cultura em Macapá. O que os representantes das culturas afro-amazônicas solicitaram foi o tratamento especial para as culturas de povos e comunidades tradicionais, a definição de cadeiras de representação da diversidade das culturas afro-amazônicas no Conselho Municipal de Cultura, e diretrizes culturais conjuntas com o Sistema Nacional de Igualdade Racial para que a cultura em Macapá também aja no combate ao racismo e na inclusão social da população negra amapaense.
Aproveitando o momento, Kinamboji fez uma rápida avaliação da atuação do mandato deste primeiro colegiado setorial de culturas afro-brasileiras do CNPC, e explicou para a gestora do Município o que a representação da sociedade está propondo no colegiado nacional para todo o sistema, ou seja, para cada um dos municípios que formam o Sistema Nacional de Cultura.
O primeiro ponto dessa explanação foi a representação no conselho, e toda a discussão partiu da constatação de que os dados do IBGE calculam que mais da metade da população brasileira se declara negra ou parda. E então o primeiro questionamento foi qual o motivo que nos leva a ter apenas um único representante das culturas afro-brasileiras entre os 20 representantes da sociedade no Conselho Nacional?
Para Kinamboji, essa é a primeira forma de exclusão, pois ele avalia que a maioria da população sendo afro-brasileira a maioria do financiamento da produção cultural também deveria ser afro-brasileira, mas o MinC transformou a antiga comissão de notáveis, que era formada por intelectuais que se destacavam nas linguagens artísticas europeias (literatura, artes visuais, musica, artes cênicas, entre outras), ampliando algumas cadeiras e desmembrando outras, nessa composição do atual CNPC. E para ele nessa transição não mudou a correlação de forças na esfera de decisão e as culturas afro-brasileiras, assim como as culturas de povos indígenas, as culturas populares e as culturas de povos e comunidades tradicionais, continuaram preteridas diante da dominação das linguagens artísticas que vem da cultura europeia.
Dessa avaliação chegou-se à distinção entre cultura erudita e cultura popular, e à tradição escravocrata brasileira de financiar a cultura erudita de origem branca eurocêntrica, em detrimento à diversidade étnica e racial da população do país.
Essa discussão foi considerada importante para que se compreenda que é o conselho a esfera de decisão sobre a "partilha do bolo" do financiamento público da cultura, e que, portanto, a composição do conselho deve refletir também a composição étnica e racial da população para que haja justiça na distribuição da verba na política cultural.
E esse foi um dos motivos para que o Colegiado de Culturas Afro-brasileiras apresentasse a proposta de inclusão de um representante governamental vindo da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República/ SEPPIR, e o desmembramento da única cadeira de "Culturas Afro-brasileiras" em outras cinco representações:
1. Expressões artístcas culturais afro-brasileiras (artistas das diversas linguagens como: artes visuais, arte digital, teatro, dança, música, literatura, arquitetura e outras, que se manifestam pela poética de afirmação dos valores civilizatórios afro-brasileiros);
2. Culturas de Povos Tradicionais de Matriz Africana (povos de terreiros);
3. Capoeira;
4. Cultura Hip-hop; e
5. Culturas de Comunidades Quilombolas
Proposta que virou recomendação do CNPC, e Kinamboji informou que em audiência com a Ministra Marta Suplicy durante a III CNC em novembro passado, a ministra acatou a criação das quatro primeiras representações.
Diante dessa informação de conquista de espaço no CNPC por parte das culturas afro-brasileiras, a comissão imediatamente propôs para a FUNCULT que o SMC de Macapá adotasse a mesma medida e já incluísse em sua Lei de criação do sistema, estas cadeiras de representação, assim como outras que a configuração local considerasse importante, das culturas negras amapaenses.
A comissão também aproveitou para colocar em debate uma questão polêmica que aconteceu durante a Conferência Estadual de Cultura do Amapá, e Reinaldo Kayango relatou que houve um momento em que um grupo estava debatendo uma outra questão local quando um gestor declarou que o Estado é laico e que portanto não deveria ter representação de religiões afro-brasileiras. Reinaldo continuou falando de sua participação na I Oficina de Construção de Políticas Públicas de Cultura para Povos Tradicionais de Terreiros, que aconteceu em São Luís do Maranhão de 27 a 30 de novembro de 2011, e explicou que se trata de povos tradicionais e que as tradições são muito além da questão da religião.
Táta Kinamboji acrescentou que para os povos tradicionais de terreiros de matriz africana é importante a manutenção e a defesa do estado laico, mas que somos regidos por Leis específicas e tratados internacionais assinados pelo Brasil e referendados pelo congresso nacional, e que nesse marco legal a proteção e salvaguarda do patrimônio cultural, patrimônio ambiental, patrimônio artístico, e patrimônio genético é dever do Estado, assim como é dever do Estado dar tratamento diferenciado para povos e comunidades tradicionais para lhes garantir a representação política nas esferas de decisão.
Márcia Correa ouviu atentamente os argumentos e explicou que Macapá ainda está em discussão da criação da Lei, e por esse motivo ela propôs uma série de rodas de conversas onde sociedade, gestores e parlamentares da câmara municipal de vereadores, pudessem aprofundar as questões que envolvem as culturas tradicionais e manifestações artísticas e culturais afro-brasileiras, e convidou a comissão para, em conjunto com a equipe da fundação, elaborar um calendário de seminários para ocorrerem desde este primeiro semestre de 2014.
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