SEPPIR chamou os ministérios parceiros para balanço do Plano de Desenvolvimento Sustentável de Povos Tradicionais de Matriz Africana. |
Nesta semana de 22 a 25 de abril de 2014, estive na SEPPIR
em um Grupo de Trabalho que reuniu representantes de vários ministérios para
apresentar as ações de cada um dos parceiros para a efetivação das políticas
públicas para a sustentabilidade dos povos e comunidades tradicionais de
terreiros de matriz africana, na escuta e questionamentos estavam autoridades e
lideranças de povos tradicionais de terreiros de matriz africana de vários
estados do Brasil.
Foi um balanço do I Plano de Desenvolvimento Sustentável dos
Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, seguido de um intenso
debate que fez parte da programação da Oficina “Segurança Alimentar e
Nutricional dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana”, na tarde
da quinta-feira, 24. Representantes da SEPPIR, do MinC, da Fundação Cultural
Palmares, da Secretaria de Direitos Humanos, da Embrapa, do Iphan e dos
ministérios da Educação, Saúde, Meio Ambiente, Planejamento, Orçamento e
Gestão, Desenvolvimento Social e Combate à Fome, avaliaram as iniciativas
voltadas à consecução de metas propostas no documento. Ver mais aqui
Quando Daniel Castro, apresentou o balanço das ações da Secretaria
da Cidadania e da Diversidade Cultural (SCDC/MinC), ele disse que aquela secretaria anunciará durante a TEIA da Diversidade, que acontece de 19 a 24 de maio
próximo, um edital de ponto de cultura especifico para povos e comunidades
tradicionais de terreiros de matriz africana. Notícia muito bem recebida pelos
presentes, porém quando ele foi esmiuçar o edital deixou escapar que o edital
atendia também outros grupos de culturas negras brasileiras.
Este detalhe quase despercebido me acendeu a “luz vermelha”
que anuncia que mais uma vez podemos ter o racismo provocando o descaso do MinC para com as culturas
tradicionais, e que isso mais uma vez desviaria o foco para outras ações diferentes daquilo que está
previsto para o Plano de Desenvolvimento Sustentável para os Povos e
Comunidades Tradicionais de Matriz Africana.
Pedi a palavra e pedi que fosse explicada como se daria essa
participação, e lembrei de casos recentes onde as políticas traçadas para
atender as manifestações de culturas tradicionais haviam sido desviadas para
outros universos da indústria cultural. Daniel respondeu dizendo que o edital
atenderia outros dois grupos das culturas afro-brasileiras mas que elas não
concorreriam entre si.
Menos mal, mas...
Recordei que estive na avaliação do Edital Cultural 2014,
que selecionou propostas artísticas e culturais para o período da Copa do Mundo, e um caso
em especial me chamou a atenção nesse processo... Um caso em que um pesquisador
apresenta o resultado de sua pesquisa como uma proposta de ‘manifestações
tradicionais”, ou manifestação de culturas tradicionais, e o MinC habilitou tal
proposta e a colocou para seleção junto com as demais propostas que vinham de
comunidades tradicionais.
Este é apenas um caso que acidentalmente eu tive acesso, mas
é um caso que revela o descaso com que o Ministério da Cultura trata as
culturas de povos e comunidades tradicionais, e, para mim, é também um
indicador de que é preciso investigar mais aprofundadamente se os demais
projetos aprovados nessa categoria vem realmente de demandas de culturas
tradicionais.
Da mesma forma, é preciso cobrar compromisso do Ministério da
Cultura com a proteção e salvaguarda dessas culturas, e isso também significa
cortar o financiamento de projetos culturais de pesquisadores que se inscrevem
descaradamente como se o resultado de suas pesquisas se tratasse de uma
manifestação tradicional.
Apenas se os gestores tiverem o compromisso com as culturas tradicionais é que se poderá reverter esse quadro em que o ministério da cultura permite que grupos declaradamente não pertencentes à comunidades tradicionais se inscrevam como tal.
Arthur Leandro/ Táta Kinamboji uá Nzambi
Titular do Conselho Nacional de Política Cultural, representando o Colegiado
Setorial de Culturas Afro-brasileiras
Professor da
FAV – UFPA/ Kisikar’Ngomba ria Nzumbarandá ria Mansu Nangetu.
Informações contidas no projeto utilizado como exemplo de
descaso do MinC com as culturas tradicionais.
1.
A questão não é a avaliação da proposta em si,
mas o pertencimento ao grupo desejado.... E como se dá o envolvimento do
propositor com comunidades tradicionais de terreiros e se esse envolvimento
garante a inscrição desse projeto no grupo “manifestação tradicional”.
2.
A inscrição da proposta foi no Grupo G do Edital
Cultural 2014, grupo que reúne as propostas oriundas de Manifestações Tradicionais.
3.
Na argumentação do projeto, o proponente diz que
os tambores são tradicionais na África Negra, e são mesmos, mas mesmo que no
grupo tenham membros de comunidades tradicionais, nada garante que a música
oriunda do projeto seja “produzidas pela comunidade”, como reza o Edital.
4.
Quando nós, membros de comunidades tradicionais,
requisitamos que os editais, inclusive estes de apresentações culturais em
grandes eventos, garantisse a participação das culturas tradicionais, é sabido
que esse grupo G do edital estaria destinado a abarcar e dar vez para o
protagonismo de povos tradicionais (Povos Tradicionais de Terreiros de Matriz Africana,
Povos Ciganos, Povos Indígenas, Comunidades Quilombolas, Comunidades
Ribeirinhas, Comunidades de Fundo de pasto, e outras identificadas no brasil).
5.
No item 20 do formulário, o item em que
apresenta o proponente, este se identifica como pesquisador e em nenhum momento
faz alguma declaração de pertencimento a povo ou à comunidade tradicional, ele
diz que: “é músico, compositor, poeta, e agitador cultural com atuação na cena”.
Continua se apresentando com os shows realizados e prêmios recebidos, e finda
dizendo que o próprio é quem idealiza e forma o Grupo para o qual ele inscreve
o projeto, dizendo que esse coletivo é voltado para a pesquisa dos ritmos afro-brasileiros.
6.
Na página principal do link com informações do
Grupo, tem informações que o identificam como “um grupo percussivo, de raiz
africana no sangue, na cultura e na espiritualidade, que se reuniu pra agregar
as manifestações dos tambores...” E
continua dizendo que acima de tudo, é uma homenagem dos músicos à ancestralidade
africana.
7.
O proponente não se diz com pertencimento a povo
ou comunidade tradicional afro-brasileira, pois é a música que tem raiz
africana e ele fazer homenagem à ancestralidade não garante o pertencimento aos
grupos de territórios tradicionais negros.
8.
Ou seja, temos um propositor que não diz que é
membro da comunidade tradicional tal e tal que aprendeu com o mestre isso e
aquilo, o que ele mesmo diz é que ele é pesquisador, que é artista, e que tem
prêmios nisso e naquilo, e que ele idealiza e forma o grupo que realiza o
trabalho, informação que eu recebi quase como um projeto autoral do artista
onde os demais membros (mesmo aqueles que se declaram de comunidades
tradicionais de terreiros) parecem ter participação secundária para tão
imperioso propósito do artista propositor.
O Edital, em relação ao Grupo G, que se refere às
Manifestações tradicionais, diz que:
1. OBJETO E
OBJETIVO
a. 1.4.11.
Manifestações tradicionais: expressões artísticas e culturais que nascem do
conhecimento, dos costumes e das tradições de um povo, expressa nos seus
saberes, fazeres, práticas e artes produzidas pela comunidade e pelos cultores
tradicionais, tais como: músicas, cantos, danças, encenações, festas,
literaturas, medicinas tradicionais, culinárias tradicionais, jogos,
brincadeiras e artesanatos.
b. 3.10. Grupo G
- Manifestações Tradicionais: Serão selecionados, em âmbito nacional, no
mínimo, 27 (vinte de sete) trabalhos artístico-culturais para circulação de
manifestações características das culturas populares e tradicionais,
referências dos Estados, para realizar apresentações nas cidades-sede da Copa
do Mundo da FIFA Brasil 2014.
c. 3.10.1. Será
selecionado, no mínimo, um trabalho artístico-cultural de cada Estado do
Brasil.
d. 3.10.2. Os
candidatos deste Grupo Cultural podem representar manifestações tradicionais de
quaisquer localidades do Brasil, mas deverão indicar, no ato da inscrição, qual
o Estado de origem da manifestação tradicional que pretendem representar
durante a Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014.
e. 3.10.3. Os
trabalhos artístico-culturais de circulação poderão agregar apresentações de
mais de um grupo.
f. 3.10.4. No
intuito de promover intercâmbio entre manifestações tradicionais de cada
Unidade Federativa do país, a circulação das apresentações obedecerá ao
disposto na tabela abaixo:
g. GRUPO G -
MANIFESTAÇÕES TRADICIONAIS ESTADO DE ORIGEM DA MANIFESTAÇÃO TRADICIONAL
CIDADE-SEDE DE APRESENTAÇÃO (ver tabela no Edital)
h. 3.10.5. Todos
os trabalhos artístico-culturais deste Grupo Cultural devem assegurar, no
mínimo, 5 (cinco) apresentações nas cidades-sede da Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014,
observadas as condições estabelecidas no subitem 2.19.
Marco Legal dos povos e comunidades tradicionais:
1. O Brasil é
signatário da convenção 169 da OIT (ver em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.htm e no
anexo 1 deste parecer), e esta convenção reza que cada um dos países que a
assinaram, dentre outras coisas, que, em relação aos povos tradicionais:
a. promovam a
plena efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais desses povos,
respeitando a sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, e
as suas instituições;
b. deverão ser
reconhecidos e protegidos os valores e práticas sociais, culturais religiosos e
espirituais próprios dos povos mencionados e dever-se-á levar na devida
consideração a natureza dos problemas que lhes sejam apresentados, tanto
coletiva como individualmente;
c. deverá ser
respeitada a integridade dos valores, práticas e instituições desses povos;
d. deverão ser
adotadas, com a participação e cooperação dos povos interessados, medidas
voltadas a aliviar as dificuldades que esses povos experimentam ao enfrentarem
novas condições de vida e de trabalho.
2. No Brasil, a
convenção 169 da OIT é regulamentada pelo Decreto 6040 de 2007 (ver em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm
e no Anexo 2) , e neste decreto se estabelece, dentre outras coisas, que:
a. Art. 3 - Para os fins deste Decreto e do seu Anexo
compreende-se por: I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente
diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de
organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como
condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica,
utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela
tradição;
É por isso caro Arthur,que é importante tua presença nas inståncias decisórias!
ResponderExcluirParabéns por tua luta no CNPC.
Abs e luz
Obrigado Marly
ResponderExcluirClementino Junior comentou por email...
ResponderExcluir2 erros graves neste edital, que dão brecha para "artistas notórios", pesquisadores e demais comerem pela beirada:
1) o fato de existir um edital para a Copa, pode ser até uma motivação para que finalmente aconteça,mas já desmerece e "folclórica" tradições que vão para além do turismo (mesmo sendo só 5 apresentações na FIFA Fucking Cup) ;
2) quando diz que os proponentes PODEM ser de povos tradicionais... Mesmo que seja uma linha para a indicação de "grupo tal" vai se apresentar em "tal cidade sede", li 2 X e achei ambíguo.
Melhor começar a trabalhar a partir deste numa proposta de minuta para o próximo edital.
E, mesmo não sendo esta uma pauta cineclubista, fica claro que somos outro grupo que se não se posicionar sobre o que somos e realmente queremos, teremos um tratamento igual quando vier o próximo edital, assim como mesmo o +Cultura, com todas as conquistas, deu brecha para oportunistas adquirirem equipamentos e sequer atuarem como cineclubistas.
Por isso mesmo temos (acho) que indicar alguém para o Conselho Consultivo da SAV (ver outro email), para trazer estas e outras questões.
Abs
Clems