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Ministra Luiza Bairros no CNPC/ MinC. |
Sra. Luísa Helena Bairros (Ministra) – Então, vocês estão dizendo que vão ficar sem almoçar até 13h30, é isso? Para mim, é tranquilo. Então, vamos nessa então, está bom. Olha, na verdade, eu queria dizer o seguinte, o que eu vou fazer aqui é, na verdade, situar algumas questões mais gerais, que são questões no modo como elas vem sendo discutidas dentro da SEPPIR e que, de alguma maneira, dão uma ideia do que é o ambiente político, vamos dizer assim, dentro do qual questões como essas que estão colocadas aqui nessa seção do Conselho, são discutidas. Então, o que eu pretendo é estabelecer um plano de fundo, que dá sentido ao trabalho que nós, na SEPPIR, realizamos, pensando nessas políticas públicas de inclusão, de promoção da igualdade racial e que são pano de fundo também para esse debate que vocês estão tendo sobre a necessidade de ampliação da representação negra, ou afro-brasileira, dentro do Conselho, só um pano de fundo para um debate que é trazido pelo Cobrinha, nas questões da Fundação Cultural Palmares, e essa... Eu acompanho a Fundação Cultural Palmares desde a criação dela e sei que tem por trás, digamos, de tudo o que está colocado aqui, uma questão de ordem mais geral, que eu quero aqui fazer um parênteses para dizer que eu estou colocando fraternalmente, porque toda vez que eu digo isso, alguém se ofende, mas não é para ofender, 25 anos eu estou dizendo, então agora já virou uma conversa amigável. Não existe lugar para a Fundação Palmares, dentro de um plano estratégico dentro do Ministério da Cultura, seja qual for ele. É disso o que nós estamos tratando e é nesse quadro, digamos, que as várias questões e proposições que são levantadas a cada gestão, se coloca. Por isso que eu acho que o Conselho tem um papel extremamente importante para exercer, no sentido de que o Conselho, enquanto formado por vários setores que representam as artes e a cultura no Brasil, podem abrir um processo de discussão que dê uma luz para que se estabeleça, dentro do MinC, qual é esse lugar, daquilo que nós convencionamos chamar de cultura afro brasileira e de todas as expressões artísticas que decorrem dessa cultura. Então, como é que nós estamos vendo os elementos dessa conjuntura e que precisam ser levados em conta nesse processo de discussão? Partir do ponto mais geral, que é o fato de que, nos últimos anos, foi provocado no Brasil um processo de mudança social extremamente significativo, políticas públicas que foram adotadas e que determinaram uma mudança de inserção dos setores mais empobrecidos da população brasileira, isso aí todos nós sabemos, temos lido, acompanhado, concordado, discordado, mas em suma, o que nós temos, e isso é inegável, é o fato de que dessas mudanças sociais que aconteceram, em consequência de várias iniciativas governamentais, onde se destaca a política de valorização do salário mínimo, a ampliação do mercado formal de trabalho, a própria existência dos programas sociais de transferência de renda, o setor da população brasileira que mais diretamente se beneficiou desse processo, foi o segmento negro da população.
Então, na verdade, o que nós temos vivido nesses últimos 10, 12 anos, é um processo, eu diria, inusitado, de mudança de lugar social dos negros, um processo que foi, obviamente, intensificado em alguns níveis, pela adoção de políticas de caráter afirmativo, dentro do Governo Federal, e aí a SEPPIR tem um papel extremamente importante, porque desenvolveu planos, programas dirigidos para os diversos segmentos da população negra do Brasil, Quilombos, comunidades de matriz africana, jovens, mulheres, etc., e dentro dessas políticas afirmativas, o uso mais intensivo do instrumento das cotas que propiciou a entrada de um grande número de negros, no ensino superior no Brasil, seja nas universidades federais, em consequência da lei de cotas que passamos a adotar a partir de 2012, seja por outros mecanismos de ação afirmativas que várias universidades brasileiras já utilizavam, e programas do tipo PROUNI, que concede bolsas para estudantes nas escolas privadas, centros universitários, que para vocês terem uma ideia, cerca de um milhão, já passou disso, de beneficiários do PROUNI, quase 50% são negros. Então, isso cria na sociedade um ambiente, inclusive, de maior crença nas oportunidades que se abrem na população negra, rompendo com aquilo que é uma das características mais perversas do racismo, que é exatamente a limitação de expectativa, que ele potencialmente causa na pessoa negra. Então, o que nós fizemos ao longo desses últimos anos, foi exatamente atuar nessa dimensão impeditiva que o racismo acabava exercendo sobre nós. Se cria, pela primeira vez, talvez, de forma mais consistente, na população negra brasileira o sentimento de que ela pertence a essa sociedade e, portanto, tem direito a acessar os lugares, as oportunidades. Esse é o quadro mais geral. Com um lado a isso, em consequência disso, o que é que você tem também? Você tem uma mudança da consciência racial não Brasil, isso é inegável. Do ponto de vista dos negros, é algo que se materializa estatisticamente, na medida em que o censo de 2010, pela primeira vez, registrou uma maioria de negros na população brasileira, 50,7%. Pela primeira vez. Isso dá para nós uma dimensão numérica, de que cada vez mais se quebra no Brasil a vergonha ou... A vergonha de ser negro, que esteve sempre muito associada... O ser negro sempre esteve muito associado às imagens que o racismo criou a nosso respeito, mais do que a própria experiência que nós temos enquanto comunidade ou enquanto povo nesse país. E, essa ampliação da consciência racial, do lado de cá, vamos dizer assim, acabou provocando também o surgimento de atores políticos novos. Quer dizer, você tem hoje cada vez mais uma possibilidade de organização política da identidade negra, que você não tinha há algum tempo atrás. Hoje, você encontra politicamente organizados, e participando ativamente, inclusive, da arena de debate de política pública, comunidade Quilombola, comunidade de matriz africana, grupos jovens, e por aí vai. Isso é muito importante pelo seguinte, porque esse processo que se manifesta mais evidentemente no segmento negro da população, ele tem também o seu rebatimento no setor branco da população brasileira. Nós, muito recentemente apenas, conseguimos desvendar um comportamento absolutamente esquizofrênico que a sociedade brasileira sempre teve. É uma sociedade onde sempre existiu negro e nunca existiu branco. Aqui, nós estamos em um grupo absolutamente seleto, deve ter muita gente com conhecimento em Antropologia, coisas desse tipo, e sabe que a primeira aula de antropologia que você tem, o que você aprende é que identidade é relacional, não existe a possibilidade de uma identidade que eu estabeleço aqui, sem relação com absolutamente nada. Então, o que nós rompemos no Brasil foi com isso, não podia existir só negro, porque pertencer a um grupo racial no Brasil, até anteontem, era ser negro. E, o que nós estamos vendo agora é que os brancos existem, deixaram de ser esse sujeito universal, que parava atrás e acima de tudo, olhando para nós como parte de um grupo racial e, mais do que isso, parte de um grupo racial que é um problema para o país. É um problema para o país. A resposta que a população negra deu ao processo de abertura de oportunidades recentes que tivemos no país, mostra que sem nós o país não se desenvolve. É essa resposta que sustenta o processo de desenvolvimento no país hoje. Tem uma questão aí de importação de mão de obra estrangeira, que eu não vou poder entrar aqui, porque senão essa meia hora não vai ser suficiente. Mas, é por aí. O que nós estamos vendo então, como um terceiro elemento dessa conjuntura, é que essa mudança de lugar político e de social dos negros e, consequentemente, dos brancos, ao longo do tempo, acabou dilacerando uma certa etiqueta que a nossa crença histórica na democracia racial sempre garantiu. Sempre houve no Brasil uma maneira de discriminar as pessoas negras, sem que isso parecesse discriminação, sem que isso fosse aceito como discriminação. Sempre houve na sociedade brasileira uma maneira de deixar os negros fora dos espaços de poder e de decisão, sem parecer que isso fosse discriminação. Sempre houve uma maneira, como exemplificou aqui o Cobra, nas artes brasileiras, de nos deixar fora dos palcos, portanto, fora das possibilidades de representação, sem que isso parecesse racismo. E, o que nós estamos vendo agora, é que essa estratégia engendrada pela crença da democracia racial foi totalmente solapada. Porque, na medida em que cada vez mais essa parcela negra da população se tornava visível, e se coloca muito apropriada dos direitos que ela tem de participação na sociedade, consequentemente, a discriminação racial, as práticas racistas começaram também a se tornar mais evidentes. E, disso, eu não preciso exemplificar, porque aqui todo mundo tem acesso a algum, aos meios de comunicação, e sabe da quantidade de casos que se enfileiraram, que tem se enfileirado desde, nesses últimos dois anos, até chegar a esse ponto, que nós chegamos agora. Começa a fazer sentido para as pessoas todo, a construção que fizemos, que fazemos, analisando o que é, por exemplo, a magnitude das taxas de homicídio entre jovens negros no país, que até seguramente dois anos atrás, era algo que só nos preocupava, a nós só indignava a um determinado setor da população, é uma prática naturalizada na sociedade brasileira, que você perca por ano, sei lá, quantos mil jovens. Eu não gosto de dizer os números, porque eles me constrangem, na verdade. Então, essa forma como o racismo foi se explicitando, você, o corpo da mulher negra arrastada, o menino, o jovem acorrentado no meio de uma praça pública, e por aí vai, é de um certo modo, nos assustou e nos assusta a todos, porque nós não construímos ainda as formas de luta e de organização política, que nos permita confrontar um racismo com esse nível de explicitação. E isso, inclusive, dá para muita gente a impressão errônea de que a sociedade brasileira piorou muito, de que nós estamos, do ponto de vista dos valores, no absoluto fundo do poço. E, não raro, um tipo de crítica que acaba sendo atribuída ao Governo, comandado pelo Partido dos Trabalhadores. Equívocos, equívocos e equívocos. O que nós precisamos pensar, cada uma e cada um de nós aqui, é que nós estamos tendo hoje no Brasil a democracia em construção, de uma maneira como nós não tínhamos vivido antes. Porque enquanto o debate era considerado um debate democrático, porque os mesmos grupos, parte dos setores, não apenas de classe, mas dos grupos sociais considerados hegemônicos e mais importantes, enquanto a discussão, a divergência de ideia se dava entre essas pessoas que são as pessoas que fazem parte da mesma experiência, estava tudo certo. Agora, que entram os setores historicamente discriminados no debate, o país de repente virou uma esculhambação. Essa é a sensação das pessoas. A construção da democracia, na sua fase mais radicalizada, ela está começando agora, porque democracia não é harmonia, e nós nos acostumamos a pensar isso. E, era essa segurança que a ideia de democracia racial dava aos brancos brasileiros, de que era possível levar uma sociedade pensada a partir de apenas um ponto de vista. Mas, democracia é disputa, é disputa permanente, e é disputa permanente entre pontos de vistas diferenciados. Porque nós temos lugares diferentes na sociedade e,portanto, olhando para essa sociedade de formas que também são diferenciadas. E, é essa disputa que se estabelece, nesse campo democrático maior, também se manifesta no debate sobre a política pública, e vocês não poderiam pensar que o Brasil ia ser capaz de provocar uma transformação, da magnitude que foi transformada, que foi provocada, com uma possibilidade de inclusão de um setor historicamente discriminado, que já era, pelas melhores previsões, para nós estarmos, os negros, todos mortos, até o fim dos anos 30. Erraram na previsão. Nós estamos aqui, somos mais de 50% da população, o país tem que lidar com isso, você não pode achar que vamos ter acesso à educação, mas não vamos ter acesso ao mercado de trabalho, que vamos ter acesso à educação, e não vamos, a partir desses códigos que nós aprendemos, formatar o pensamento dos nossos interesses. E, é isso o que está acontecendo, e é isso o que está chegando aqui na discussão da política cultural. É um setor que representa a experiência da metade da população brasileira, que resolver dizer para o Governo brasileiro, que não pode existir política cultural que deixe de fora metade da população, é simples assim. O que nós estamos, por outro lado, com isso, é dando a sociedade brasileira, uma oportunidade para se encontrar consigo mesma, uma oportunidade de se olhar no espelho e se ver por inteiro. A decisão de fazer com que isso se realize está, de um certo modo, na mão do Conselho. Para que ele se realize de uma forma que seja, digamos assim, edificante para todos nós que participamos desse debate, parênteses, alguém ontem pegava e me perguntava assim, “não está cansada não, desse negócio de cota? Você só quer fazer cota, cota?” Eu digo: “Estou cansadíssima. Adoraria não precisar fazer.” Mas, temos sido obrigados a fazer por conta da resistência de quem pode tomar uma decisão e tomar uma decisão levando em conta a diversidade da sociedade brasileira. Esse poder de decidir o que vai ser feito, como vai ser feito, e quem vai se beneficiar, ainda está na mão de algumas pessoas que são brancas na sua maioria. E, elas também estão sentindo, digamos assim, se sentindo empurradas em uma identidade racial que elas não estavam querendo assumir, e isso incomoda, e as reações são reações muito perversas, às vezes. Então, o que nos obriga a ir para o Congresso Nacional e tirar a cota na marra lá, é a inércia das instituições públicas, que é legitimada por seus gerentes, pelos seus dirigentes, que continuam pensando que é possível fazer um Brasil para eles e para elas mesmas, independentemente de nós, independentemente do resto todo. Então, minha gente, eu acho que são essas as questões de fundo que, acrescidas por uma outra consideração, por uma outra ponderação, que é menos, como eu diria, afeita ao modo de pensar, pelos que lidam com cultura e com arte, mas que é preciso nós levarmos em conta nas nossas formas de operar sobre essa realidade, sobre essa realidade nova. Nós estamos no Brasil vivendo um momento que os demógrafos chamam de bônus demográfico, do ponto de vista da população. Professor Edvaldo, eu estou lhe vendo aqui, o senhor, provavelmente, pode ajudar nessa reflexão. Então, o chamado bônus demográfico. Que momento é esse? É aquele momento em que você tem a maioria de pessoas que trabalham, de pessoas que produzem, e um menor número de pessoas que apenas consomem, como os mais velhos, as crianças, etc. Então, esse momento é um momento sempre, extremamente positivo para uma sociedade e extremamente favorável a decisões, no sentido do desenvolvimento, que é exatamente onde nós estamos vivendo. Desemprego baixo, procura por mão de obra em todos os setores, etc. Agora, segundo os demógrafos, esse momento, ele acaba. 2020, talvez, 2030. E, esse quadro, essa fotografia da demografia brasileira, ela se inverte, você vai passar a ter um número menor de trabalhadores, portanto, como o país, as escolhas que nós vamos ter que fazer para o desenvolvimento, elas estarão para... Se garantindo, obviamente, nessas escolhas, o aumento constante da produtividade da economia, são escolhas que vão demandar uma mão de obra extremamente escolarizada e escolarizada com qualidade, e que vão demandar, por parte das empresas, investimentos cada vez maiores em tecnologia, em inovação tecnológica, para que essa produtividade se mantenha e cresça. E, esse momento de reversão, que no caso brasileiro não está muito longe, é com ele que nós da SEPPIR nos preocupamos. Porque mantido o ritmo de diminuição das desigualdades raciais, que é um ritmo lento, até o momento dessa reversão demográfica que nós vamos viver, vai significar que nós passaremos a ter também um momento de uma dificuldade muito maior, para incluir os setores que estiveram fora dos benefícios do desenvolvimento até agora. Quando essa janela demográfica fechar, quem entrou, entrou. Quem não entrou, está condenado a uma vida menos, com menos direitos, vamos dizer assim, e, consequentemente, com menor dignidade. Então, é nesse quadro que se insere a nossa ênfase nas ações afirmativas, ok? Porque nós precisamos, porque fazemos as ações afirmativas, não é porque nós estamos pensando nesse momento que nós estamos vivendo agora. Meu olho, enquanto Ministra da SEPPIR, está no futuro. Porque se eu não crio determinadas condições agora, certamente nós seremos cobrados pelas outras gerações, pelas gerações futuras, pelas decisões que nós deixamos de tomar em um momento que era o momento apropriado. Essa inclusão, ela vai ter que acontecer em todos os níveis, e a inclusão que pode possibilitar a política cultural, é algo que está na mão dos senhores e das senhoras definir agora. Não tem mais como nós voltarmos atrás desse processo, o processo político, uma vez deslanchado, a tendência é que ele siga, e eu não estou falando aqui em uma perspectiva que é puramente de progresso, é óbvio que esse é um processo, todo ele, marcado por contradições, por marchas, contramarchas, idas e vindas, e nós estamos vivendo agora, mas é preciso que nós saibamos que essas vozes que hoje se levantam no Brasil, elas não poderão mais ser caladas. E, não há mais possibilidade, inclusive, de fazer isso, se protegendo atrás desse sujeito universal, como eu falei, porque esse sujeito universal também morreu. Somos todos parte de grupos raciais, porque fomos obrigados pelo racismo brasileiro a nos comportar dessa maneira, mas eu acredito, está cada vez mais nas nossas mãos romper com esse ciclo e vislumbrar uma possibilidade de inclusão e de participação social no Brasil, que dê espaço na diversidade e, não apenas isso, mas que veja na diversidade racial o lugar onde mora a nossa força maior como sociedade. Muito obrigada.
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