segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Tecnologia do tambor: resgatando e salvaguardando conhecimentos ancestrais e tecnológicos



Tambores como avançadas tecnologias de comunicação resgatando e salvaguardado conhecimentos ancestrais.

Podemos entender o “Tambor” como a primeira internet do mundo, quando os pretos africanos usavam seus instrumentos para se comunicarem entre si e entre vilarejos diferentes, o tambor realizava o papel de rede comunicacional, sendo comparado aos que temos hoje como (wan, lan e man) conhecidos tipos de comunicação das redes de computadores. Os toques podem ser entendidos com as mensagens mandadas de tambores para tambores, que por sua vez são criptografadas com a possibilidade de um "decodificador", neste caso um mestre ancião ou griot que traduz os códigos musicais em linguagens humanas.

As informações que ficavam ocultas na mensagem e o povo consegue entender depois de descriptografadas pelos mestres portadores desses conhecimentos, possuem uma usabilidade de todos os meios humanos que os tambores nos proporcionam. Dessa forma, encontramos uma rede de comunicação sem fio, com capacidade de conectar a comunidade, além de tocar a alma do povo que faz parte dessa rede, mesmo que só como receptor de todos os dados finais do processo de decodificação.

É importante entender esse processo de comunicação cultural como uma importante tecnologia social, justamente porque as suas expressões acontecem sem se desprender das riquezas ancestrais, além de atribuir valores reais, compreendendo que nossas práticas merecem ser entendidas como algo altamente tecnológico e parte importante de um território digital que precisa ser ocupado pelo povo preto, uma vez que nossas comunidades e nossos saberes estão sendo roubados, principalmente por conta do processo de embranquecimento cultural que pode ser observado nas vivências maranhenses, motivo de alerta para o nosso povo. O Maranhão carregara riquezas culturais marcadas pela ancestralidade, repleta de significados e variedades, mantidas através do repasse da tradição oral, esses bens ultrapassam o valor simbólico no nível do imaterial para os povos e seus meios sociais ditando suas formas de convivência e valor político.

Nesse sentido o nosso projeto pretende realizar o resgate de memórias tradicionais dos povos pretos através da instrumentalização e criação de acervos de audiovisual, buscando alcançar a otimização da memória ancestral ligada com a digital, de forma que se mantenha os valores tradicionais das comunidades sem deturpar as práticas sociais dos participantes. De acordo com estudos comunicacionais “ ter cultura é estar conectado ” os bens culturais de um povo são mantidos pelo modelo de repasse de informações e conhecimentos através da tradição oral, corre em linha tênue entre uma segurança quase que criptografada e ao mesmo tempo com chances de cair no esquecimento, como por exemplo: a morte de um guardião desses conhecimentos tradicionais e ancestrais. Quando as comunidades necessitam criar uma documentação de seus conhecimentos e informações internas sempre tem que contar com o bem externo, quase sempre antropólogos ou pesquisadores, que ao realizar uma captura de vídeos, o executa com “o olhar do outro” um “olhar cientifico”, dessa forma corremos o risco de ter nossas informações construídas e sistematizadas com modelos desiguais aos da comunidade. Agora imaginemos esses dados sendo capturados e guardados com o olhar comunitário de quem vive aquela realidade, partes de uma cultura que carrega significados e que estão se perdendo com o passar do tempo nos acervos internos pela falha na comunicação ? Em cada localidade será apresentado duas palestras, tendo como objetivo duas oficinas com temáticas envolvendo apropriação tecnológica e conhecimentos tradicionais, nas áreas de confecções de instrumentos próprios, pautados nos valores civilizatórios africanos reconhecendo os tambores como tecnologias sociais e meios de comunicação usados nas comunidades. Repassar as práticas de confecção de instrumentos comunicacionais focando o bem de nossas comunidades, valorizando e fortalecendo a ancestralidade dos povos e comunidades tradicionais e de matriz africana. Realizar o reavivamento cultural valorizando as relações sociais das comunidades pretas, acreditando nesses bens culturais como mecanismos de aperfeiçoamento da conexões digitais e ancestrais sociais das comunidades tradicionais. Esses materiais serão repassados, aprendidos e acumulados, juntamente com o discurso da ancestralidade e em conjunto com diálogos de apropriação tecnológica. Atividades como essas exercem um papel fundamental e de extrema importância para exercícios culturais de um povo, uma vez que suas organizações sociais e políticas estão diretamente ligadas a memória que é repassada de forma oral, em sua maioria de pais para filhos e/ou de anciões para comunidades, sendo um agregador de valores identitários sociais, pois o conjunto que os forma é o esperado mundo mais do nosso jeito!

Mil Oniletó 
São Luís – Maranhão
Telefone: 098 989065584/ 098 988567520 / E-mail: onileto@riseup.net; milson.santos42@gmail.com

Oficinas de construção de instrumentos:



Originalmente publicado na Rádio Beco da Cota.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Corpo memoria, Ana Valéria.





Corpo e Memória é uma série com sete performances fotográficas em espaços da natureza, teve como cenário o Quilombo do Curiaú, em Macapá. Para Ana Valéria o trabalho busca uma memória perdida, visível processo de retorno à ancestralidade africana e valorização das tradições afro-amazônicas.. Em seus trabalhos é visível a intensão de dar visibilidade a arte afro-brasileira e desconstruir a idéia de uma arte branca e elitista, pois a arte afro existe, porém esta arte não está nos grandes circuitos de museus e galerias e com essa preocupação a jovem artista busca quebrar barreiras. 

Fonte de informação: Ana Valéria 21.09.2016 Amanda Brasil, Andreza Rodrigues, Elany de Fátima

sábado, 21 de outubro de 2017

Eu, também, exijo respeito com meu povo.


Na reunião do Grupo de Trabalho instituído pelo Conselho Estadual de Segurança Pública/CONSEP-PA cujo objetivo é o de investigar a violência e os assassinatos contra autoridades e lideranças de povos tradicionais de matriz africana, em especial o que ocorreu nesta quarta-feria, dia 18 de outubro de 2017, travamos um debate inusitado... Tudo começou com a presença muito bem vinda da Delegada Hildenê Moraes - titular da Delegacia de Combate a Crimes Discriminatórios e Homofóbicos/DCCDH. Ocorre que, se num primeiro momento poderia parecer que a Delegada havia, finalmente, se disposto a dialogar com o GT de Matriz Africana, e que nos traria informações sobre as ações daquela delegacia que efetivamente atuassem no sentido de combater o racismo de que são vítimas as comunidades tradicionais de matriz africana, o que vimos foi a delegada pedir aos presentes que escrevessem uma carta de apoio à ela mesma, dizendo que a corregedoria de policia civil havia recebido uma queixa registrada contra ela, e esta queixa foi feita por uma autoridade tradicional de matriz africana. Disse, ainda, que a pessoa que registrou a queixa a tratou-a com arrogância quandoi estev na delegacia, e que não iria permitir que a tratassem assim, e; num outro momento - relatando um outro caso que eu a relembrei - disse que ela não iria ceder à pressão das autoridades de matriz africana…
Como assim?
Se, o Grupo de Trabalho foi criado para investigar a violência contra o nosso povo e para propor políticas de proteção à um grupo vulnerável. Estamos reunindo - duas reuniões mensais desde abril deste ano e esta foi a segunda vez que eu registrei a presença da referida Delegada responsável pela delegacia que deveria investigar e proteger as comunidades de povos tradicionais de matriz africana. E, é a própria delegada vem para reclamar da representação apresentada à Corregedoria por autoridade de povos tradicionais de matriz africana que havia sido vítima de racismo?
Espera aí... me diz de novo, como assim?
Violência institucional também é violência? Se violência institucional for considerada violência então podemos considerar este como mais um caso de violência contra as tradições de matriz africana?
A questão é que nos dias 10 e 11 de outubro, este GT, em parceria com a ouvidoria do SIEDS-PA e mais o Comitê Nacional da Diversidade Religiosa - vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República -, realizou o Seminário Nacional “O Direito à Religião também é um Direito Humano”, e nesse seminário, com a participação de autoridades de segurança pública do Pará, havia espaço para relatos de violência sofrida por parte de autoridades e lideranças dos terreiros, e em um desses relatos, presenciado pelo corregedor da polícia civil, a vítima de violência relatou as suas dificuldades em registrar a ocorrência naquela DCCDH de responsabilidade da Delegada Hildenê, e imediatamente o corregedor, cumprindo com sua função institucional, registrou e encaminhou a queixa deste pai de santo para a devida apuração.
PERGUNTO: o que a Delegada Hildenê quer é nos calar? Não podemos reclamar do atendimento na delegacia de crimes discriminatórios? O que é que a Delegada Hildenê tem de vir pedir carta de apoio por causa disso? Até onde eu sei dos procedimentos, imagino que a corregedoria vai ouvir a versão dela para poder chegar a uma conclusão mediando as versões dos fatos. E volto a perguntar – por que motivo ela veio pedir o apoio deste GT?
De antemão, digo aqui o que eu disse na reunião, e digo e afirmo que eu sei que a atuação dela nos casos de combate à homofobia é exemplar, e reafirmo que não tenho nenhum interesse de prejudicar a carreira funcional desta ou daquela delgada. Aliás, relembro que o nosso debate no CONSEP-PA tem sido pela educação de servidores do sistema de segurança pública, sistema de justiça e sistema prisional para as relações étnico-raciais e combate ao racismo. Queremos formação de servidores queremos formação de servidores para que entendam o contexto social dos territórios tradicionais de resistência negra, e entendam que quando sofremos com ações da vizinhança, de funcionários públicos, de policiais e outros, aqueles que nos agridem acham que podem nos agredir porque somos “macumbeiros” e por isso nós nem deveríamos existir...
E é por isso que eu não posso deixar de reclamar da atuação da Delegada Hildenê e de sua equipe. Posso dizer que em três casos recentes de violência contra pais e mães de santo, a Delegada Hildenê dificultou o registro de ocorrências de racismo (ou injuria racial, ou como queiram chamar), e desqualificou as queixas dos reclamantes para sugerir que registrassem as ocorrências como meras ameaças, sem considerar que essas ameaças ocorrem por motivação de identidade étnico-racial das tradições de matriz africana.
Em dois desses casos, antes das vítimas chegarem até a delegacia de combate a crimes discriminatórios e homofóbicos, essa mesmas vítimas já haviam ido à delegacia mais próxima e em ambos os casos saíram dessas delegacias como agressoras de seus algozes, e quando chegam na DCCDH ainda encontram a indisposição da escuta por parte das autoridades policiais da delegacia especializada.
Acompanhei a saga de uma delas, que teve de ir três vezes nessa mesma delegacia para que enfim, sob muita pressão, a delegada finalmente aceitasse o registro da ocorrência. Essa indisposição para a escuta e para o registro dos casos da violência sofrida é que tem afastado s comunidades de terreiros da busca da garantia de seus direitos.
Por esses motivos e, por reconhecer que a mesma delegada que compreende perfeitamente o contexto social da população LGBT e que por isso mesmo realiza um excelente trabalho no combate à homofobia, é a mesma delegada que não consegue apreender o contexto daquilo que chamamos de 'racismo religioso', ou apenas racismo. Um racismo que é praticado contra as autoridades e lideranças de povos tradicionais de matriz africana e que resulta em assassinatos, em violação de direitos e em depredação de locais de culto do povo tradicional de matriz africana.
Por esses motivos que proponho ao Governo do Pará que reafirme o seu compromisso com o combate à violência à todos os grupos sociais vulneráveis, e mantenha a Delegada Hildenê Moraes no combate à homofobia, mas que crie uma outra delegacia de combate ao racismo, desiganando um delegado ou delegada disposto ao trato com a população negra e com os povos tradicionais de matriz africana.

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

#Facebook - Aqui vemos a tradicional censura das elites brasileiras.



Arthur Leandro está blooqueado até 28 de outubro.

Se a internet e as redes sociais permitem  ecoar a voz dos oprimidos e a circulação de informações da diversidade de formas de existência, no Brasil me parece que o Facebook se tornou o mais eficiente tribunal de exceção  e de propagação do fascismo e de discursos de ódio.
É visível que denúncias de postagens racistas e machistas não são levadas em conta, enquanto isso basta a gente usar uma imagem de povos originários para questionar a censura de exposição de nudez em obras de arte, que um tribunal, que sequer me dá o direito de defesa, me exclui da possibilidade de postagem por um mês...

domingo, 8 de outubro de 2017

Coragem eu te enchi de fome. Por Bianca Levy.



Coragem eu te enchi de fome.

Por Bianca Levy - originalmente publicado no perfil de facebook

-O que é isso? É um protesto, uma promessa, um movimento social?- perguntou um homem ao ver aquela imagem rodeada por folhas frutas e cartazes.
- Não, senhor, é só gente mesmo, como você, falando sobre problemas que atingem toda a coletividade- respondi enquanto filmava a movimentação no entorno.
-Ah, sim, legal, parabéns- ficou pensativo por uns cinco segundos- Se todas as pessoas tivessem essa coragem, talvez o país não tivesse do jeito que está.
Este foi um entre vários romeiros que aplaudiram, vibraram e se instigaram com a performance executada por Leandro Haick dentro da procissão do Círio de Nazaré 2017. Em uma edição marcada pela visita de personas non gratas, que põem em xeque as liberdades fundamentais do povo brasileiro, o trabalho do artista foi ato de resistência e coragem.
“Adoremos a Viada Pagã”, foi uma performance de caráter panfletário, com uma estética provocativa, que evocou realidades invisibilizadas, como a dos LGBTT’s, indígenas, afro-religiosos e mulheres negras. Carregando a imagem de um veado em um andor- em alusão ao bezerro de ouro do paganismo e também a causa LGBTT- o artista saiu da esquina do Bar do Parque (mais um símbolo de resistência recentemente roubado do povo) em direção à Basílica Santuário, fazendo o percurso do Círio antes mesmo da santa e dos carros de milagres.
Embora já tivesse feito duas performances preliminares no contexto da quadra nazarena, fazer um trabalho desta dimensão dentro de uma festa/procissão do porte do Círio, traz um peso e uma responsabilidade muito grande, linha tênue onde pode-se esperar tudo. Acompanhado de uma equipe voluntária com cerca de 15 pessoas, entre amigos, artistas e articuladores, a Viada Pagã saiu em cortejo, atraindo curiosos e todo o tipo de reações que se pode encontrar em um momento limite e apoteótico. “O que eles estão fazendo aqui? Isso aqui não é lugar de vocês”, “Nojentos”, “doentes”, “Monte de doidos!”, foram algumas das frases que ventiladas pelo caminho.
Afunilados e vigiados a cada passo dentro de uma multidão de dois milhões de pessoas, por um momento pairou entre os presentes que algo sério poderia acontecer. E não se teria nem chance de reação. Mas isso foi apenas a bruma de uma tensão, interferência esperada na poética performance da vida. Os xingamentos, comentários preconceituosos e a tentativa de desmobilização da performance (ensaiada por alguns membros da diretoria da guarda de Nazaré) foram abafados por aplausos calorosos vindos da arquibancada da Avenida Presidente Vargas, talvez o momento mais emocionante da performance, quando a “berlinda” do artista se voltou para o público e as placas foram levantadas.
“Paz-me!”; “Terreiros são sagrados”; “Meu útero não tem religião”, “Quilombola existe”, “Povo preto vivo”, e “O Brasil é preto”, foram algumas das frases entoadas entre anjos e promesseiros que coexistiam em um espaço de fé, sobretudo de fé em dias melhores. Após três horas de performance, a equipe dispersou na esquina da Basílica, ainda sob impacto da ação e com a sensação de dever cumprido.
Já com o corpo frio e revendo a transmissão ao vivo, talvez o que cada um pense é que o que foi visto nas ruas do Círio hoje não foi apenas um ArteFato, mas um ato de coragem. Em uma sociedade adoecida pelo preconceito, misoginia, lgbttfobia, racismo religioso e corrupção, artistas como Leandro Haick se mostram necessários, uma voz que ecoa consciências silenciosas, adormecidas, e que grita a fome de um mundo justo.
Sobre o trabalho: “Adoremos a Viadã Pagã” é a performance que fechou a trilogia de Leandro Haick dentro da quadra Nazarena. O primeiro trabalho do gênero foi a performance “Flor Manifesta” (2011), onde ele apresentou o corpo político ambulante envolto em uma delicada carcaça de flores, e toda a sexualidade e religiosidade que o permeava. Em 2014, Haick expôs “A Carne de Viado é Ouro”, feita em trajeto contrário ao da Santa, durante a trasladação. Em uma performance pulsante, o artista, que era próprio Viado de Ouro (em alusão ao prêmio oferecido na Festa da Chiquita), questionou as tensões existentes entre o sagrado e o profano, além do sincretismo religioso dentro da programação do Círio, lembrando de reverenciar o guardião das encruzas neste caminho, oferendando a ele cachaça e velas vermelhas. Os bastidores e as três performances do artista serão compiladas em um documentário com previsão de lançamento em 2018.